sexta-feira, julho 31, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 17

Nem whisky do Paraguai com amendoim nem bolinho de couve. Nem licor de jurubeba nem pão sovado com patê de ganso.
_ Suco de mamona?, hoje não, obrigado, estou saindo, se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí...

E que delícia é o simples, churrasquinho, cerveja, festa na floresta, o antro da fuleiragem de bom coração que é o Bar do Baiano, minha Pasárgada, meu analgésico, meu mar.
_ Baiano.
_ Sujeito, aqui está você, quanto tempo, ouvi falar que estava comendo o churrasco da concorrência, que era um traidor, crápula, bom que voltou.
_ Eu, no Gato-grill?, de jeito nenhum, os gatos de lá não são de procedência boa.
_ Então experimentou?
_ Eu precisava, até para poder falar mal.
_ Se é assim...
_ E as novidades, Baiano?
_ Bem, vou lançar um livro de auto-ajuda, “Seja o gerente de sua vida”, fazer algumas palestras, coisa fina. Às quintas vou continuar mandando o churrasquinho. Nos outros dias, carne cozida. Olhe ali, seu amigo, Messias.
_ Meu amigo?
_ Vá cumprimentá-lo, ora essa.

Opa, saindo picanha de gato argentino!

Feijoada em lata, batida coalhada, conserva de pepino, não, não. Sem também essa de Bohemia, Original, cerveja artesanal. Cerveja não é coisa de artesanato, onde já se viu, que frescura.

_ Qual é, Messias.
_ Sujeito, my friend, deixe-me contar uma profecia.
_ Claro, claro, conte inteira.
_ Diga-me com quem andas e eu lhe direi com quem andas. Diga-me quem és e eu duvidarei, nunca sabemos realmente.
_ Isso não é profecia, é um provérbio, um provérbio alternativo.
_ Maybe...
_ Seu inglês; seu inglês é meio não lembro bem o termo.
_ Sorry, que negócio é esse de meio termo?
_ Meio perturbador, lembrei; bem, também não quero podá-lo...
_ Of course.
_ Que tem arrumado Messias?
_ Arrumo meu quarto pela manhã, à tarde estou vendendo teste vocacional para pessoas maduras.
_ Vou comprar um, estou perto dos 30.
_ Meus clientes têm vocação pra otário, não precisa comprar, everything is fine.
_ Faço questão.
_ Cool.
_ Mas não vou pagar agora. Semana que vem!, semana que vem eu pago.
_ No sir.

Saindo maminha de gata prenha!
Olha o espeto de filhote ao alho!


_ Creusa.
_ Quanto tempo, Sujo.
_ O bom filho o copo entorna, você sabe.
_ Andaram dizendo que você não passa de uma traíra sem espinho, foi o que disseram.
_ E você acreditou?
_ Sei que te viram no Gato Grill.
_ E?
_ Não acreditei, pensei que tinha sumido, sumido por um desses seus pobrema de necrose.
_ Aqui minha neurose descansa.
_ Até de você por perto sentiram saudade...
_ A saudade é igual a um tumor, quando a gente a percebe, já está nos matando.
_ O quê?
_ Nada, mas e a música, que horas começa?
E não é choro nem bossa, até que cairia bem aquele balanço de New Orleans, coisa sofisticada, mas, sem frescura, no Baiano, manda o embalo do famoso pagode-mauricinho, devagar miudinho, olhe as meninas, uma beleza, chora Baiano!, um churrasquinho de primeira, somente às quintas. Nos outros dias, carne cozida.

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Texto: Alexander Reis
Ilustrações: Pablo Leandro

segunda-feira, julho 27, 2009

Congresso


Nunca antes na história desse país eu havia ido num congresso de professores. Foram quatro dias de muita movimentação, na linda cidade de Poços de Caldas, sul de Minas, mas que parece muito mais São Paulo, não apenas pelo sotaque, como também pelos times de predileção. Cruzeiro e Atlético por lá são raridade, uma pena.

Turisticamente falando, fui uma besta quadrada, pois não conheci nenhuma das atrações. Nem as famosas termas de águas sulfurosas. Nem o teleférico. No entanto freqüentei bares, botecos e botequins; fiz amizades diversas e, mais que certo, me diverti muito.

Quanto ao Congresso, foi edificante, mesmo por que meu entendimento quanto à conjuntura político/sindical era praticamente nulo. Meu grande amigo, sindicalista, Rafael Zinoviev Kalado, me explicou o básico, que tento reescrever com o máximo de proximidade possível.

Rafa: Pois então, é o seguinte companheiro camarada. Tem a articulação, que manda, e o conlutas, que é a oposição.
Eu: E nós, caro amigo, estamos de qual lado?
Rafa: Pois então, somos da CTB, estamos no meio, digamos assim. Somos a alternativa que não é pelega e nem radical. Mas também não somos oposição, e no entanto não concordamos totalmente com a situação.
Eu: Somos os mocinhos então? No meio de duas forças inimigas que se atacam?
Rafa (já meio impaciente): Não, rapaz, companheiro, camarada, nós somos nós e pronto. Funciona assim, a articulação tem a maioria e vai ganhar qualquer votação. O Conlutas vai tentar atrapalhar e nós vamos negociar, tendeu?
Eu: Mas se eles já vão ganhar tudo e nada vai mudar, pra que tem Congresso?
Rafa (segurando pra não me bater): Tiago vai pro bar, quando for votar eu te chamo.
Eu: Sim senhor, camarada, companheiro. Agora falou minha língua.

Se não me engano, foi mais ou menos assim.

Mas agora falando sério, infelizmente, num Congresso de Professores o que menos aconteceu foram debates sobre educação. A maioria das pessoas nem sabiam por onde passavam as questões discutidas e com isso, tudo acabava se transformando em uma briga de forças políticas, onde a situação sempre ganhava, evidentemente.

A parte divertida? Perceber como sindicalista, de oposição ou situação, adora gritar, como se todos fossem surdos. Aí me pergunto: Pra quê microfone, minha gente, se eles já gritam tanto. Acho que por isso todos são roucos.

No mais, adorei a cidade, e principalmente as pessoas que conheci, destacando Raquel, Elaine, Grazi, Gabi, Vanusa e outros tantos, acompanhando-me nas noites intermináveis pela cidade, ou nas conversas ou nas refeições.

Aos meus amigos nem preciso dizer. Valeu pela paciência para comigo... Rafa, João, Reinaldo, Dani, Celina. Na próxima prometo que participo bem mais, e outra, vocês me devem uma garrafa de Black Label, calhordas.

Fiquemos por aqui, com novidades chegando, eu garanto.

Abraços a todos!
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p.s - a foto é da Grazi, usurpiada sem qualquer piedade, por que a anta que vos escreve nunca leva máquina fotográfica.

quarta-feira, julho 22, 2009

"Férias"

Pois é amigos e amigas... Estou em "férias" vagando e vagabundando no Congresso de professores na lindíssima cidade de Poços de Caldas. Sábado estarei de volta com crônica nova e tudo mais...

No mais, lhes deixo com este delicioso vídeo da cantora Janaína Moreno, que tá lá no Rio de Janeiro mostrando pros cariocas o que é que a mineira tem.

beijos e abraços a todos!

sexta-feira, julho 17, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 16

Dim-dom.
A campainha da minha casa faz ding-dong em latim.
Dim-dom, dim-dom.

Domingo, 07h59 min.

_ Bom dia, Campanha do Quilo.
_Quanto é o quilo?, quilo de que?
_ Não, Campanha do Quilo.
_ Campainha do quilo.
_ Não, senhor. É uma campanha...
_ Não sou muito de campanha.
_ Desculpe acordá-lo, senhor.
_ Não tem problema, eu volto a dormir de novo.

Dim-dom. Dim-dom.
_ Tio, pega a bola que caiu aí pra mim.
_ Pirralho seboso.
_ Ih, acordou mal humorado.
_ Só acordo de bom humor. Se não estou de bom humor é porque não acordei.
_ Parece não.
_ Pega lá a porra da bola que vou dormir um pouco.

Dim-dim-dom.
_ Bom dia.
_ Que doce é a ironia.
_ Como?
_ Não fode.
_ Não é aqui que mora a Fernanda?
_ Aqui mora a Ferdinanda, minha mãe.
_ Agora me pegou.
_ Peguei?
_ Será que troquei as bolas? Sua mãe é uma senhora gordinha, mas vistosa, nem baixa nem alta, branca, um pouco morena?
_ Você está caçoando, está de chacota.
_ Preciso dar um recado a ela, é importante.
_ Vou lá dentro chamá-la, caramba.
Nunca ouvi ninguém chamar mamãe de Fernanda, uma senhora gordinha, mas vistosa. De todo modo, mostro mamãe, ele confere se ela é ela, eu durmo um pouco. Mas mamãe está viajando, tinha esquecido.

_ Minha mãe está viajando.
_ Olhe, é um recado importante, viu.
_ Sou o filho preferido dela, dê o recado pra mim e eu encaminho.
_ E se ela não for ela?
_ Espere aí, então.
Volto, abro umas gavetas, já sei qual. Pego as onze mais recentes fotos de mamãe.
_ Dê uma olhada aí.
Na primeira foto ele diz “não, não é ela, não. Tenha um bom dia”.

Dim...
_ Bom dia! – agora são três. Estão de terno.
_ Vai te catar, vão os três, o que querem?
_ Somos testemunhas de Jeová, se o jovem aí tiver alguns minutos...
_ Campanha do minuto?
Eles comentam algo sobre um odor de cachaça, blá, blá, blá. Melhor seria dispensá-los e dormir um pouco.
_ Além do mais, já testemunhei para o Betinho, quando processou o Josias...
_ O quê?
_ Para a Rita, quando apanhou do Josias...
_ ??
_ E para o Baiano, quando teve seu bar quebrado pelo Josias. O Josias está puto, nunca mais vou ser testemunha de porra nenhuma.
_ Como?
_ Já vi que não me entendem, estou pensando alto, vou dormir.
_ Sua consciência não pesa, pecador?, um deles pergunta.
_ Não sei do que está falando – e ele levanta a sobrancelha engraçado, num ar inquisidor. Bem, quem tem a memória fraca tem a consciência tranquila, nunca ouviram falar?
Eles me olham, eu olho pra eles.
_ Memória fraca, travesseiro macio, consciência tranquila.
_ Que Deus abençoe, eles respondem e se vão.

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Texto: Alexander Reis
Ilustração: Pablo Leandro

quinta-feira, julho 02, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 15

Sem menos nem mais, acordo. Numa pensão, em São Judas das Botas. Com o travesseiro cheio de caspas.
“Será aqui o meu destino?”. Bato com o travesseiro em minha cabeça, tentando colocar as caspas de volta em meu cabelo. Tem uma cama ao lado, bagunçada. Da outra vez que vim em São Judas das Botas, não reparei.
_ Acorde, Sujo.
_ Você, quem é?
_ O Zelador.
_ Ah.
Apago.
_ Acorde, Sujo, acorde. Existe mais no universo que o seu ponto de vista.
_ Como, por exemplo...?
_ O jogo. Tem o jogo.
_ Ah.

Agora um estádio lotado, completamente. Sim. Não imaginava que existia um estádio tão imponente na acanhada São Judas das Botas. “Talvez tenham construído para a Copa”, penso. O técnico, o saudoso Professor, não tão depressa me chama pro jogo. Parece que só faltam 15 minutos para a partida acabar. E nem vi o jogo passar, apaguei no banco de reservas.
_ Coloque suas botas.
_ Tudo bem. Alguma instrução a mais?
_ Tente fazer um gol.
_ Posso fazer uma pergunta tola?
_ Pergunta tola é só a que não foi feita.
_ O que estou fazendo aqui?
_ É o que também me pergunto todos os dias, quando acordo.

Entro em campo.
O tempo passa como se não tivesse passado.
Aos 47 do segundo tempo recebo um cruzamento, dele, Ronaldinho Gaúcho, e completo de cabeça. Gol, gol, gol, gooooool!
Tiro a camisa, as botas, até o short eu tiro, pra comemorar. A consagração. É a primeira vez que jogo de botas, e um gol. Que golaço.
Mas a alegria de forma geral, não há dúvidas, dissolve feito sonrisal: o bandeirinha marca impedimento, com atraso. Estou impedido. Peladão no campo, só de cueca e meião, comemorando, que vergonha.
Protesto. Xingo. Grito. Opa, o safado do bandeira é a cara de um mendigo que me passou a perna faz tempo, aqui mesmo, em São Judas das Botas.
_ Você estava impedido, seu burro.
_ Vamos ver no tira-teima.
_ Não existe tira-teima, ô esquisito.

Ronaldinho demorou a tocar a redonda. É o culpado.
_ Passa a bola, Ronaldinho. Caralho.
_ Depois do jogo tem pagode – ele responde.

O tempo passa como se não tivesse passado. Estou no pagode, quero é pagodear.
_ Quem é aquele ali cantando?
_ O não sei quem, de um grupo novo que não sei qual – responde O Zelador.
_ Ah.

O passado é como um fardo, meu amor,
Vou mimi com cafuné do meu neném
Faz beicinho pra enganar a minha dor (...)

_ Rimar amor com dor e neném com neném. Uma bela sacada...
_ Ah.
Fico confuso. Menos por ter ouvido “neném” só uma vez, não havendo rima, mais pela mulher com o rebolado da Eva, um antigo amor, não há dúvidas, que cruza o meu caminho agora. Sem pensar, passo a mão na bunda gordinha da moça. Ela vira.
_ Oi Eva.
O rosto não é exatamente aquele da Eva. É de outra. Por sinal a conheço de algum lugar, de onde será? Que vergonha. Algo cai.
_ Deixe-me pegar – tento me refazer da mão na bunda, uma ação impensada.
_ Meu olho caiu. Encaixe pra mim – a moça diz.
_ Tudo bem, é só enfiar no buraco?
_ É.
_ Não sei o que deu em mim, pra passar a mão na sua bunda.
_ É.
_ Posso fazer uma pergunta meio idiota?
_ Meia idiotice seria não perguntar. Se for sobre meu olho, quem enxerga demais vê até assombração – agora a voz dela é idêntica à de mamãe.
_ Tem uma cascavel saindo do teu ouvido?
_ Não, não. É uma sucuri.
_ Ah.
Trim. Trim. Trim. E o despertador não passa de um destruidor de sonhos vagabundo.


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Texto: Alexander Reis
Ilustração: Pablo Leandro