terça-feira, setembro 29, 2009

Cenas


Cena 1

Tempo fechado, jeito de chuva.
Uma mulher, 30 e poucos anos, puxando apressadamente sua filha. A pequena criança, com suas pernocas, tentando acompanhar os passos da estressada mãe, que aos solavancos diz: - Vem logo menina, agora mesmo chove e a gente molha toda, nunca vi andar tão devagar.

Cena 2

Tempo fechado, jeito de chuva.
Uma mulher, 50 e poucos anos anda devagar e apreensiva com a chuva que logo cairá. Sua filha adolescente vai na frente, falando alto: - Mãe! Anda logo! Não vou te esperar! Não posso molhar meus cabelos. A mãe olha, meio encabulada e tenta apertar o passo.

Conclusão: Sendo mãe ou sendo filha, ande sempre de sombrinha ou guarda-chuva, por que chatura e impaciência não tem idade.

Cena 1

Eu sentando no lugar de sempre, tomando minha saideira de sempre, no horário de sempre. Chega até mim um bêbado gritando, cuspindo e gesticulando: - Eu te conheço! Eu sei onde você mora! Onde você mora? Você sabe onde você mora?
Respondo compadecido: - Sim, eu sei onde eu moro. E ele: - Eu sabia que sabia onde você morava. Depois desse enriquecedor diálogo, começou a cantar e não parou mais.

Cena 2

Eu sentado no lugar de sempre, tomando a saideira de sempre, no horário de sempre. Duas jovens indo ao banheiro. Uma delas para na minha frente e pergunto: - Ei, eu estou bonita? Assustado com a pergunta, respondo que sim, sendo complacente e educado. Os atendentes às gargalhadas. Ela explica o porquê do questionamento e se vai, muito alegre pela resposta. Digo apenas: - Estamos aqui para isso.

Conclusão: Beber sozinho no balcão é como um quadro de Salvador Dali: Surrealismo puro. Espero o momento, neste calor, que o relógio na parede comece a derreter.

Na próxima, mais cenas para vocês.

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sábado, setembro 26, 2009

Apontar e fogoo!!

Enquanto o fim de semana me absorve, fiquem com Jair Rodrigues, ganhador do II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, com a música Disparada, do Vandré e Théo de Barros. Essa música ficou empatada com A Banda, do Chico! Mas o que mais me chama a atenção é a interpretação do negão! Lindo lindo!




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terça-feira, setembro 22, 2009

Lei


Daqui uns dias vai ser assim...

Toc toc toc
- Mas quem será uma hora dessas da madrugada?
TOC TOC TOC!!!
- Já vai, caçamba, já vai! Pois não?
- Boa noite, meu jovem. Acabamos de receber uma denúncia que você estaria fumando em um ambiente fechado, e parece que é verdade mesmo, pois vejo que continua em pleno delito.
- Mas como é que é? Estou em minha casa. Quem é você?
- Mais respeito. Sou o novo fiscal do governo, adequando todos à nova lei. Não tá sabendo? Foi votado ontem no Congresso. Agora não é mais permitido fumar em local fechado, mesmo sendo sua residência.

- Haja paciência... Ei ei! Aonde você pensa que vai?
- Tenho ordens e mandatos para revistar todo o local do crime, atrás de guimbas, cinzeiros ou coisas do tipo e... o que é isso?
- Fecha essa porta que minha senhora está nua, corno manso.
- Hum.. agora entendo o cigarro. Apontado o agravante. Fumar após o sexo aumenta a multa, pois com toda certeza o meliante fumava na cama, e isso pode ocasionar risco de incêndio ou no mínimo buracos no lençol. Sua mulher também fuma?
- Não! E sua vó, fuma?

- Já lhe disse para parar com este desrespeito, por que o senhor já está em maus bocados. Essa carinha de classe média não me engana. Aposto que dividiu este ap em 25 anos pela caixa e ainda colocou o fundo de garantia e o genro como fiador, carro popular em 36 vezes e emendando com cigarro do Paraguai, o que aumentaria a pena, por compra de produto contrabandeado.
- O quê? Olha aqui meu maço, camarada. Tudo original!
- Rapaz! Pedirei reforços! Cigarro SEM FILTRO? Em países desenvolvidos isso te lavaria a pena de morte, sabia?!

- Onde já se viu algo assim... Em que mundo estamos, meu são Sebastião! Posso pelo menos saber de onde partiu a denúncia?
- Seu vizinho do lado, com toda certeza um cidadão de respeito.
- Faz-me rir. Cheirador safado.
- Opa! Cuidado com a calúnia heim bandido. A lei é clara. Crime é apenas pra quem fuma cigarro. O resto ta liberado. Não me venha com deliberações por que nossos governantes sempre sabem o que estão fazendo.

- É mesmo? Por que então você não vai fiscalizar o Palácio da Liberdade e me deixa em paz!
- Lá tá tudo limpo, posso garantir. Mesmo por que, segundo a nova lei charuto cubano da marca Monte Cristo também pode o que nos dispensa um trabalho e tanto.
- Quer dizer que rico tem direito de fumar né!
- É a vida meu caro. Já ouviu a máxima: Você sendo pobre, não pode mais nem cair morto, o que dirá fumar, prejudicando nosso ar e nossa imagem de povo saudável em frente aos bons costumes, o politicamente correto, a Rede Globo e suas mensagens de incentivo! Isso não, bandidagem. Teje preso, ta certo?

- Preso? Mas... cadeia? E lá pode fumar?
- Lá pode né... Já viu a lei entrar em presídio brasileiro!? Aí é querer demais...
- Hum.. sabe que não é má ideia... Pera ai que vou despedir da minha mulher...
- Mas sem gracinhas heim, que a coisa pode ficar ainda mais preta para o teu lado.

- Mais o quê?
- ...eu não disse nada...
- Opaaa!!!! Pego em flagrante nesta expressão completamente racista, companheiro!!! E agora, como fica?
- Bom... uma mão lava a outra, né...
- É... tudo em paz... falando em paz.. Afim de um tapinha?
- Ah... isso pode... creio eu...
- Ai Brasil, seu lado europeu que tanto me enaltece!

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sábado, setembro 19, 2009

Enquanto isso...

Enquanto não chega o texto novo, vão curtindo o videozim, pra lá de divertido. E recomendo assistirem a TODOS deste canal Trama/Radiola. Bom fim de semana, meu povo!



ah!! Tô no twiter agora viu? http://twitter.com/tiagosanzio Passem lá!

sexta-feira, setembro 11, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 20

Traga então a saideira garçom, faz favor, que a despedida é como uma pimenta braba, nervosa, faz-me escorrer lágrimas.

E a saideira é como a prorrogação, muitas vezes os noventa minutos não bastam para nada. Que o diga o Banjo, adepto da prorrogação seguida por disputa de pênaltis, o amigo usa todo o seu rebolado para que a saideira não chegue nunca, ou melhor, chegue sempre e jamais honre a fama de ser a última das últimas.

Ah, quantas vezes já pedi arrego, porém, maior é o homem com limites, pelos menos tem algum grau de previsibilidade e hora para dormir. Não que eu jogue no Careta Futebol Clube, só que o bom sujeito preza pelo seu sono, nem o som, não há samba, não há nada que me faça mudar, fui.

“Nada é exagero”, alerta-me o grande oráculo, olho que tudo vê, pois por um bom rabo-de-saia (quase) todos abrimos uma exceção, mas, oxe, sobre isso nem falo, o time dos casados anda cheio e não quero fazer inveja nem balançar o matrimônio alheio, isso eu não faço, não.

Fiel esposa, não vem que não tem, sou a favor da monogamia, mas não chego a fazer passeata. Fiel esposo, cuidado, a perdição é perigosa como a ilha de Lost, mas conselho não é comigo e se não fosse o livre arbítrio a vida seria como feijão sem tempero, ruim de aturar, uma merda.

“É a saideira, não precisa polemizar”, berra em meus ouvidos o grande oráculo, ele tem mestrado e doutorado na arte de aconselhar. Vem regular não, que eu não sou opalão seis canecos para ser assim regulado, fora que a (in)fidelidade é assunto que sempre rende, quem nunca foi corno que atire o primeiro copo.

“Pelo menos pare de enrolar”. Tá bem, ó Dr. oráculo, eu paro, afinal, sua razão de ser única são os conselhos. Vamos ao que interessa, que o que interessa é sempre interessante, reparou? “Falô viu, rei da lógica.” Obrigado, jamais recuso um elogio.

A tragédia do Mão-de-Quiabo

Eu estava tranquilão, numa boa, sem neurose, sem massagem, no caso em que eu e o grande oráculo assistimos não de camarote, de geral; gostamos é da fuleiragem. De resto, há situações em que melhor é assistir do que sentir, princípio básico da filosofia de boteco voyeur.

Mão-de-Quiabo recebeu esse nome porque era um goleiro horroroso e a bola sempre escorregava em suas mãos antes de morrer nas redes, tudo em suas metas acabava em gol. Mão-de-Quiabo era e é ainda hoje a alegria dos atacantes e o pesadelo da zaga, frangueiro de uma figa.

_ É, Sujeito, hoje estou com azar – ele dizia todos os domingos.
_ Você é um grande filho da puta, mas eu gosto de você. Não como goleiro, mas como pessoa.
_ Obrigado, Sujeito, você é gente boa, o japonês gordinho, o Bicho-do-mato e o Borboleta também. O resto, aqui nessa pelada, é só chifrudo, só corno.
O que há, Mão-de-Quiabo?, eu perguntei, sem entender direito, dizem que penso devagar, que meu cérebro veio só com duas marchas, não creio.

Os atacantes gritavam “toma, pereba”, “busca lá dentro”, riam e morriam de tanto tripudiar do goleiro, que retribuía com um meio sorriso, fazer o quê.

E os zagueiros ficavam putos, “como pôde tomar esse peru?, tomar no cu!”, neto da vaca com o burro, filho de puta com pedreiro, “aposenta, peruzeiro safado”, “goleirinho vagabundo!”, no que também eram todos presenteados com um meio sorriso e um franguinho de granja.
Nada tenho contra putas e pedreiros.
Nem contra as vacas, sendo que sou simpático aos burros.
Mas não entendia o porquê de tanta paciência do Mão-de-Quiabo.

De estranho já basta o mundo, eu pensei, só que o oráculo cantou a pedra, qualquer olho que tudo vê, mesmo do Paraguai, é perspicaz que só:
_ O primeiro filho do Buiuzinho, artilheiro implacável e um dos maiores detratores do goleiro frangueiro, é cara e focinho do Mão-de-Quiabo, coisa danada. Onde há fumaça há cigarro – disse ele.

Assim foi também com os dois rebentos catarrentos do Enxada, zagueiro de personalidade forte que sempre perseguiu o frangueiro vagabundo. A mão de uma das crianças era engraçada, suava esquisito, babava feito quiabo. Logo, o oráculo e eu apelidamos o fedelho de Quiabinho Júnior.
_ Clima tenso, a pelada tá avacalhada – alguém comentou e não foi o único.

Mais estranho que dondoca bebendo caldo de cana foi que Mão-de-Quiabo ganhara confiança. Fazia defesas difíceis, “é um milagre!”, quase não engolia os tradicionais gluglus, seu meio sorriso era agora um sorriso inteiro, como as coisas são, para você ver.

Em coisa de um ano, um ano e meio, mais três crianças parecidas com o Mãozinha nasceram, sempre filhos de algum dos peladeiros da região.
Um fuxico, o pessoal com sangue nos olhos, babando, babando, desconfiados, chegando junto. E houve quem disse “tá tudo normal, os filhos estão pagando os pecados de vocês, que maltrataram o coitado, por isso nascem com a cara do Mão-de-Quiabo”, explicação exotérica que não resistiria a um teste de DNA.

“Sujeito, desculpe, mas despedidas intermináveis é coisa para frescolentos. Fora que já cansei de vê-lo contar essa história, ainda que a cada vez apareçam novos detalhes sabe-se lá de onde”. Não, não, meu compromisso com a verdade pra lá de verídica é inabalável, como não? “Bem pra lá de verídica”. Se me interrompe eu não acabo nunca, malandragem. “Termine logo, conselho de oráculo”.

Quando Buiuzinho, com habilidade e irreverência, voltou após longa seca a fazer gols, já na prorrogação da peladinha, seu alvo foi ele, o goleiro e anti-herói. Todos ficaram pilhados, malhando, sacaneando, Mão-de-Quiabo era agora a Geni de chuteiras.

“É, Buiuzinho, só que lá na sua casa eu é que sou artilheiro”, retrucou o arqueiro, dando início a uma grande confusão, muitas separações, sendo que vi como triste é o desquite, só que de uma tristeza podem nascer muitas alegrias, quem me ensinou foi o oráculo.
“Vá logo àquela parte do título, já paguei a conta”.
O episódio ficou conhecido como A vingança do Mão-de-Quiabo, mas quando oficiais de justiça intimaram o frangueiro, e não foram poucos os processos de pensão alimentícia, o caso ganhou o tempero da tragédia, que delícia. Ah, se o universo não é fantástico, o último gole da saideira, pronto, fui.
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Texto: Alexander Reis
Ilustrações: Pablo Leandro