quinta-feira, novembro 27, 2008

Maratonas


Lembro-me exatamente como se fosse hoje toda a apreensão, coração batendo forte, medo do desconhecido, da vergonha ou do erro. Não. Não estou falando de um primeiro beijo ou algo mais pecaminoso. A sensação descrita era na verdade de uma Maratona Cultural que todos os anos acontecia no Colégio onde estudei e os alunos de 5ª série ao 3º ano eram sumariamente obrigados a participar.


Eu explico: É só imaginar uma competição entre turmas do mesmo colégio ou não, onde os alunos tinham que responder perguntas sorteadas entre todos os conteúdos. Nós também éramos sorteados e tínhamos que subir até o auditório onde uma junta de professores nos questionava e dava o veredicto. Na frente de toda uma platéia, é claro.


Um verdadeiro terror pela pressão e cobrança. Por várias vezes vi meninos considerados mais inteligentes errarem por simples nervosismo, e alguns que nunca prestavam atenção acertarem, por que não tinham medo de estar ali. Muito choro e correria para o banheiro também faziam parte do enredo.


Sempre considerei isso uma tortura, apesar de ter mais acertado que errado. Era e ainda sou uma pessoa calma. No entanto, ficou o trauma.


Estas tinham sido até então as únicas maratonas da minha vida, sendo que correr nunca foi meu forte. Sou uma pessoa muito mais de andar, comendo quietinho e devagarzinho como um bom mineiro.


Agora tenho a chance de me redimir. Dá pra acreditar que dias 6 e 7 de dezembro acontecerá em Belo Horizonte uma Maratona de Samba? Quase chorei de emoção ao saber. 48 horas de muita música em três lugares bem tradicionais: Cartola Bar, Ziriguidun e A Casa.


Comecei minha preparação para esta peleja, mesmo alguns caluniadores dizendo que já nasci para tal. Bebi segunda, me aqueci terça, dominei na quarta e chorei na quinta. Amanha tem mais. Assim será até o dia 6, onde pretendo mostrar todo meu potencial, estando 110% e me entregando de coração, corpo e alma como todo bom jogador.


Conto com a parceria e a torcida de todos os amigos e inimigos. Dá pra fazer, gente, como diria o tal sujo, que perdeu pro outro mal lavado.


Narrarei esta jornada e também como está sendo meu condicionamento, não se preocupem! No mais, passa lá, dá uma olhada na programação e vamo pro samba, sambar!!


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Um Salve ao Miguel dos Anjos, que está organizando este evento e pra todo mundo do samba nesta gloriosa cidade! Nos vemos por lá!

terça-feira, novembro 25, 2008

Avisos, novidades, pecados e outras coisitas


Meus caros, apertado com as costuras estou. Fim de ano é triste. No entanto tenho a honra de lhes apresentar um novo personagem.


Ele se chama Belista, o único mendigo comunista que eu conheço. Será o representante filosófico de nosso blog/buteco. Ainda está em construção e este é apenas um primeiro esboço, mas já adianto que vai ser a cara do nosso Brasil, com suas contradições e esquisitices. Os traços meio toscos ainda vão melhorar.


Novidades no próximo mês. Espero que seja do agrado de todos.



Por fim, qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.


Para não perder viagem, uma curta que acabei de escrever.


Abraços.


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Pecados


Hoje acordei com uma fome horrenda, devorando com voracidade tudo o que tinha pela frente. Poxa vida, café da manhã é a principal refeição do dia, né não? Quem sou eu para pensar nos mortos de fome deste país. Comer até a barriga doer, isso sim.


Após tanta comida a preguiça me venceu e acabei voltando para a cama. Não precisava sair tão cedo e o dia estava cinzento e triste. Dormi um bucado antes de me arrastar para o chuveiro.


Depois de um banho demorado e quase duas horas me arrumando sai para trabalhar. Só de imaginar aquele ônibus lotado a cabeça latejava de dor.


Meu vizinho cretino, que trabalhava a dois quarteirões ia com seu carro do ano, e eu de Pindorama em horário de pico. Isso é justo?


A dor de cabeça transformou-se em raiva quando o motorista passou direto no ponto, deixando todos plantados. Xingar sua querida progenitora era o mínimo que eu poderia fazer.


Pior seria se não fosse a presença da secretária gostosa, que eu pude paquerar até que passasse outro bendito (e também lotado) veículo.


Para terminar bem o dia, tive que pagar minhas dívidas com o que restava no banco, me deixando praticamente zerado. Não que eu seja pão duro, mas há cristão que tolere tanta coisa pra quitar?


Aí está um dia comum onde qualquer pessoa pode passar sem perceber pelos 7 pecados capitais, segundo São Tomás de Aquino. E olha que nem contei com o fim de semana heim... Faltariam pecados, com toda certeza.


Cuidado, pois a redenção está mais longe do que você imagina. Como diria o sábio, legal seria passar os dias de semana no céu e os sábados e domingos no inferno. Diversão garantida!


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sexta-feira, novembro 21, 2008

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco

Número 3

Não há universo fantástico que sobreviva sem a presença feminina, suplicam-me os colegas. Nem em mesa de boteco conto mentira, por isso o aguardo. A demora. A seca. Mas os colegas diziam: “Pode ser feia. De todo modo, ninguém irá vê-la”.


Sexta, 21h54min.


Opa. Aquela ali ó, com cara de ressaca, até que é bonitinha. Um olhar perdido e um franzido de testa do mais belo. É, gostei. Se a espelunca aceitar cartão, pago uma bebida pra moça.

_ Garçom, a espelunca aceita cartão?

_ Aceitamos – disse, como se fosse ele quem tivesse decidido aceitar cartão.

_ Vocês dividem em 2x?

_ Não sei. Acho que não.


_ Oi, princesa.

_ Oi. Sem essa de princesa.

_ Só não lhe pago uma bebida porque... os vinhos desta espelunca não são de qualidade.

_ Qual vinho você gosta?

_ Ah, já tomei dos tintos, dos brancos, dos nulos e indecisos. Mas não tem um assim, específico, que eu prefira.

_ Sei – diz, claramente constrangida com o comentário. Pergunta meu nome.

_ Sujeito. Ah!, mas pode me chamar de Sujo. E o seu?

_ Norma, mas pode me chamar de Morna; apelido de infância!

_ O meu também.

_ Coincidência. Não sei se é melhor ou pior que o nome!

_ É. Também não sei se é melhor ou pior que o nome.

Sem razão que eu perceba, ela sorri. Pergunta o que faço.

_ Sou trabalhador.

_ Que jeito estranho de se responder.

_ Não gosto da velha divisão, típica, né: Mega-empresários, engenheiros e advogados de um lado. Bloguistas, jornalistas, taxistas e frentistas do outro.

_ O certo é blogueiro.

_ Prefiro bloguista.

_ E eu não gosto daquela outra divisão: Patrões e empregados de um lado. Desempregados do outro – ela diz, depois ri.

_ Ah, essa daí também detesto. Além do que, o empregado de hoje é o desempregado de amanhã.

_ E o desempregado de amanhã é o assaltante de depois de amanhã!

Faço que concordo, pra agradar. E digo, no mais sincero: _ Só o patrão que não muda.

Morna ignora o comentário.

_ Mas no momento, o que tem feito?

_ Estou no ramo da filosofia de boteco.

_ Interessante. Nunca tinha ouvido falar...

_ É uma área que ainda está se desenvolvendo.

_ Estou impressionada.

_ Faço pesquisa, teoria, essas coisas.

_ Hun, que chique! Conte aí uma de suas teorias. – parece desacreditar.

_ Assim, de improviso?

_ Ah!, conta! Uma bonita, sobre coincidências, sobre o amor... sei lá.

(Jamais alimente rompantes de romantismo de mulher, dizia meu irmão – hoje, pai de três filhos).

_ Os relacionamentos começam porque nos deixamos impressionar facilmente. E terminam porque não deveriam ter começado.

_ Que idéia maluca. De onde tirou isso?

_ Dedução. Observação. Intuição.

_ Pensei que fosse algo mais científico.

_ Espertinha. Por que começam, então?

_ Porque cada um vê com os olhos que tem.

_ Não entendi nada. Sinal que você é inteligente.

Eu pergunto se os olhos dela são completamente contra a feiúra. Ela sorri e diz que não.


_ Nossa. Noite produtiva.

_ Sei o que chama de produtiva. Já vou avisando que não dou de primeira.

_ Quis dizer que fiquei impressionado com você... Posso contar sobre nossa conversa para uns amigos, em um blog?

_ Nem pensar.


_ Quero que prometa que não vai contar. Ainda mais em um blog.

_ Tá bem, eu prometo.


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Texto: Alexander Reis
Ilustração: Pablo Leandro

quinta-feira, novembro 20, 2008

20 de Novembro - Viva Zumbi!!



Consciência, meu Brasil!
Negra ou não, Consciência!

fotos: Projeto Negro Amor - Sérgio Guerra
Luiz Carlos - Site
Imagens da net

e a montagem tosca é minha mesmo!

terça-feira, novembro 18, 2008

Curtas


Auto-ajuda


Pense primeiramente nas ondas do mar. Pronto? Agora o assovio do vento, sinta-o batendo em teu rosto. A calmaria, a paz de espírito. É só você e o mundo. Você e a natureza. Pense coisas positivas, sempre, sempre. Não deixa as coisas ruins chegarem até você. E daí que seu time perdeu, sua mulher te chifrou, seu carro bateu, suas dívidas, sua impotência, sua calvice... Esqueça tudo isso. Esqueça o plano físico. Você é muito maior do que isso.


Ta melhorando? Não? Hum... Seu caso é mais grave do que eu imaginava. Já tentou ler O alquimista? Pai rico, pai pobre? O melhor dos líderes? Segredos de uma mente vencedora? 101 diferenças entre chefe e líder?


Já sei! Já viu o filme O Segredo? Para um caso tão sério como o seu, recomendo pelo menos 3 sessões deste filme! É tiro e queda. Pode ter certeza.


Não amigo.. Náuseas? Mas porque náuseas? Nada disso. Você tem que enfrentar de frente teus problemas. O que? Redundante? Por isso que nada na sua vida dá certo. Onde já se viu! Só vê o lado errado das coisas! Precisa de um giro de 360 graus!


Espera! Tá indo embora por quê?


Sexo


-Te pago uma caixa de cerveja se você me disser 5 coisas melhores do que sexo.

-Se eu soubesse apenas uma, abriria uma loja, venderia e ficaria milionário.


Samba e Pagode


Me cansa essa tentativa de distinção entre samba e pagode. A origem não é a mesma? Preguiça desse povo que cisma ser de raiz. Raiz me lembra árvore, árvore é sempre imóvel. Não quero nunca a imobilidade. Quer saber? Graças a deus não sou de raiz. Gosto é de música bem feita e pronto!


Aécio


Cortou o salário dos professores que entraram em greve, ta sabendo? Passar o mês com 250 reais. Como se a grana integral já fosse muita. E tem gente que ainda gosta dele... Estou sinceramente mudando de idéia em respeitar sempre a opinião alheia.


Futebol


Às vezes sonho que estou num campo de futebol, vestindo a camisa do Atlético, a torcida gritando meu nome. Mineirão lotado, final de campeonato contra o Cruzeiro. Um passe açucarado, 45 do segundo tempo, 0 a 0 no placar, me deixando na cara do gol. Desvio do goleiro e todos se assuntam. É gol contra! Acordo feliz, já que sou Cruzeirense desde sempre!


Zumbi


Alguém me explica por que cargas d´água o 20 de novembro em BH ainda não virou feriado? Nossos vereadores não teriam o mínimo de Consciência Negra?


Escola


Aluno do 1º ano me para no corredor:

-Ô Fessor, eu só to vindo na aula pra zuar. Tô com 21 anos e já comprei meu diploma.

-Depois a gente toma uma cerveja então.

-Me empresta o isqueiro?

-Pode fumar aqui não!

-Ninguém liga pra isso sô.

-Vou pra sala. Vem amanha?

-Nada. Só venho quando tem Educação Física, pra jogar truco.

-Tá certo!

-Falou!


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Foto: Luiz Carlos


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sexta-feira, novembro 14, 2008

Sinuca


-Pronto! Pode sair jogando.

-Caiu alguma? A 2! Par é minha.

-Me passa o isqueiro.

-Perdi no samba, acredita? De novo!

-Também né... esbórnia da porra.

-E num foi? Me apaixonei por aquela nêga.

-Sério? Merda... cortei demais...

-Sério velho. Mulher linda, inteligente, carinhosa pacarai.

-Porra, essa 7 sempre me faz raiva.

-E outra, parece que ela também gostou de mim. Isso sim é raro!

-Pegou telefone? Bolão heim! Andou treinando?

-Meio atoa... Jogando direto! Peguei sim... Falta coragem pra ligar.

-Coragem? Por quê?

-Acredita que esqueci o nome dela? Fui anotar no celular e percebi que não lembrava, ai fiquei com vergonha de perguntar. Dei mole.

-Ocê é burro heim! E agora? A 9 não morre de jeito nenhum no meio. Desisto dela.

-Agora vou dar o pinote né! Chamar de neguinha, lindinha, querida, até amoreco rola!

-Pediu outra cerva? Tô tomando um couro! Vou jogar com você mais não.

-Pedi sim. Ta trazendo. Deixa de onda sô. E sabe o pior? Até sonhei com a menina.

-Eita! Paixão é assim mesmo. Nunca ouviu falar que ela morre numa quarta-feira?

-Hoje é quinta, cacete.

-Entenda a lógica, amigo. Independente do dia. Você a conheceu no sábado. Fogo total. No domingo lembranças e sonhos. Segunda saudade. Terça tirando o fato de contar pros amigos, já esfriou um pouco. Quarta foi-se paixão porque quinta tem chorinho e um monte de mulher gata. Sexta já é fim de semana...

-É... faz sentido. Merda! Descaída da porra! Bola 1 é sempre sofrimento.

-Vou tentar te embebedar pra ver se ganho ao menos uma.

-Essa teoria. Gostei dela. Veio de onde?

-Uai. Creio que seja uma analogia ao carnaval né. Quarta-feira de cinzas e tal. Lembro que li um livro do Paulo Mendes Campos chamado: Os bares morrem numa quarta-feira. É uma crônica na verdade. Ele vai contando sobre bares que tiveram um auge e rapidamente fecharam, por motivos diversos, mas sempre deixando saudade. Só adaptei.

-Meio nerd, mas teve a manha. Inventa uma analogia pra sinuca sô. Encaçapando vidas, ou algo do tipo. Vai fazer sucesso.

-Não sou tão criativo. Talvez um texto baseado em Sartre.

-De Sartre você só tem o olhar meio vesgo e o relacionamento aberto. Não daria certo.

-Verdade...

-Jogar outra? Claro né. Arrumou fogo aonde?

-Coloca a ficha ai. Com o garçom. Copo ta cheio?

-Ta sim. Pena que hoje é quinta então... Brindemos a isso.

-A quê? A surra que tô levando?

-Não sô! Às paixões que passaram e as que ainda estão por vir. Saudade da neguinha...

-Ai ai... Cala boca e sai logo! Bar do Índio depois?

-Pra variar! Opa! Par é minha.


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Texto dedicado, inspirado e baseado nas várias quintas-feiras que passei ao lado de amigos tanto no chorinho do Bolão quanto na sinuca do Ponto Chique, finalizando no grande Recanto do Índio. Saudações!


Foto: adaptada por Luiz Carlos


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terça-feira, novembro 11, 2008

Janela


Ele saía do trabalho cansado, pensando apenas na cerveja do fim da tarde com os amigos. Jogar conversa fora, falar de futebol, política e mulher. Era um camarada divertido e todos por ali gostavam muito dele. Achavam as vezes que bebia demais, mas nunca incomodou ninguém. Pagava corretamente a conta e ia para casa, mas não sem antes mexer com algum rabo-de-saia. Mulherengo de carta maior.


Chegava com a janta ainda quente. A mulher normalmente vendo novela e o filho já na cama. Quase sempre discutiam por algum motivo bobo e ele acabava indo pra cama sem comer ou mesmo tomar banho. Passava no quarto do filho, desejava boa noite e assim era feliz.


A janela aberta, a brisa da madrugada entrando e embalando os sonhos. Uma vida simples, no entanto, nada mais queria para si.


Um dia, sem saber por que, acordou pela manhã e sua mulher não estava em casa e nem mesmo o filho se arrumando para o colégio. A ressaca era grande. Pela janela os vizinhos olhavam. Ele nada entendia. Saiu algemado, com a reprovação estampada no rosto de todos que por ali estavam. Viu ao longe a mulher em prantos, mas nada conseguiu dizer. Seu filho, de apenas 10 anos, caído no parapeito da janela.


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Ele saía do trabalho cansado, pensando apenas na cerveja do fim da tarde. Bebia, discutia, jogava e brigava. A maioria ali se sentia incomodado com sua presença. Enchia a cara ao ponto de mexer com a mulher dos outros, o que quase sempre lhe causava problemas. Ia pra casa aos trancos e barrancos, empurrado por alguém.


Chegava gritando a mulher, pedindo a janta na mesa. Ela já estava dormindo e seu filho também. Sempre discutiam e ele acabava partindo para violência. Acordava o filho às pancadas, e depois desmaiava no sofá. Todos os dias a mesma coisa. O medo e as ameaças calavam a jovem esposa.


A janela aberta fazia com que os vizinhos ouvissem os gritos e a quebradeira. A vergonha também era grande, no entanto nenhuma atitude havia sido tomada. Telespectadores da vida alheia, pra variar.


Um dia foi mais violento que o normal. Ao partir para cima da esposa acabou dando de cara com o filho que tentava protegê-la de mais uma surra. Os dois apanharam muito, mas o filho, de apenas 10 anos não saiu do lado da mãe em momento algum. De manhã, seu corpo estava no parapeito da janela, a mulher aos prantos e o homem saindo algemado, meio sem entender o que se passava.


A reprovação dos vizinhos era grande, talvez porque a novela desta vez estivesse no fim.


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Foto: Luiz Carlos Oliveira

Programação Cultural (orkut)

sexta-feira, novembro 07, 2008

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 2


Quinta, 21:26. Na fila.


Ôxe. Ai, ai, ai. Tiago disse, com decisão, com firmeza, que vou ter que contar meu nome lá naquele blog. Todo mundo tem um nome, agora eu também vou ter que ter. Que roubada! Cocô. Cocozão, viu. Como é que faz, como é que faço agora? Ah, mas o mundo é assim, né?, feito cerveja, tudo tem um nome, tudo tem rótulo, né não? E agora eu vou ter que ter. Mas continuo. Repare: É Antártica pra cá, Brahma pra lá; Nacionais pra cá, Importados pra lá; Tintos. Brancos.


_ Quanto é a entrada?

_ Pra você que tá panguando, 12 – disse o folgado segurança da espelunca.

_ Que panguando, mané. Só minha brisa que está mal. Deve ser conjuntivite.

_ Sei. Nome e identidade.

_ MG-98078450260387449835721749.

_ Essas identidades mais recentes estão vindo com muitos números, hein. Falta só o código de barra, patrão.

_ De fato.

_ Nome?

_ Sujeito. Ah!, mas pode me chamar de Sujo.

_ O patrão, coopera, patrão. Tô só fazendo meu trabalho. Nome completo, por favor.

_ Sujeito Indeterminado.

_ Sério?

_ É sério.

_ Desculpe, senhor. Sua mãe foi professora de português?

_ Minha avó, que Deus a tenha, pensava que a criança deve sempre, sempre!, levar o nome do pai, como um rótulo.

_ Como um carma a se carregar?

_ Isso. Aí aconteceu de minha mãe não saber o nome do meu pai nem de onde veio nem quem era. Por isso, ficou Sujeito Indeterminado.

Ele pára – coisa de 3 ou 4 segundos. Anota. Pensa.

_ Perdão, doutor. Mas se Maria, mãe do Menino, pensasse assim, com a lógica da tua mãe, Jesus Cristo se chamaria Sujeito Oculto. Foi obra do Espírito Santo...

_ Olha, é mesmo. Pelo menos não carrego um crachá escrito DIMAS.

_ Ô chefe, Dimas Aleluia, disponha.

_ Aleluia...? Diferente também, né. Um pouco extravagante.

_ Pois é. Nome de guerra. Fui zagueiro e capitão do Sábado de Aleluia. Time lendário. De história mais bela. Lá em Neves. Bezerro Manso no gol, eu, Da Cintura pra Cima, Pedro Pedinte, Paulinho Detento. No meio: Tarja Preta, Quebra-mola, Delegado, Trator Desgovernado; na frente TPM e Kleitin,O Açogueiro. No banco, Menina-moça, Marcha Lenta e o Vacas-magras. Técnico era o Professor. Saudoso.

_ Cada nome, hein, Dimas.

_ Nome não, apelido. Pra marcar.

_ Sei.

_ O TPM nós chamávamos assim porque o nego é mais nervoso que mulher nos dias. Mas nome é uma coisa doida...

_ Andei pensando nisso.

_ Ele encarnou tanto o apelido de TPM que, depois que escorria um sangue, até se acalmava. Sangue do adversário, no mais natural.

_ Nossa, incrível.

_ Com essa coisa de nome é assim: não se brinca.

_ E comigo? Pois conto. Às vezes sinto que não existo, um vazio. Como se eu não tivesse vontade própria. Como se eu fosse um fantoche. Um personagem, inventado pela mente doentia e sem escrúpulos de algum esquisitão. Acho que tem a ver com o carma. O carma da indeterminação... fruto desse nome estranho que recebi! Sinistro.

_ Meu time, Sábado de Aleluia, que era sinistro, na real. O Menina-moça não tinha passagem, não tinha antecedente. Nem na FEBEM nem nada. O resto, só vagabundo!

_ Um time de Ribeirão das Neves. Esperar o quê, meu filho?

_ Ô patrão, por favor, não rotule. Um Sujeito estudado dizendo uma coisa dessas.

_ Estudado não. Indeterminado. E o senhor, bom saber. Pelo jeito, vão ter que contratar um segurança pra vigiar o segurança...

_ Patrão, olha o preconceito. Não devo mais nada à lei, patrão.

_ Tem razão. Desculpe, Dimas, O Bandido. Além do que, compartilho da tua visão.

_ A que o nome pode invadir a alma do Sujeito? Ou sobre essa coisa de rotular?

_ As duas. Mas não vá achando que é bonito ser feio. Percebi o trocadilho com meu nome, babaca.

_ Ô chefe. Foi mal, chefe. Pode adentrar a casa, que a fila tá grande.

_ Você chama espelunca de casa?

_ Se o senhor chama esse farol baixo, essa cara de panguá, de conjuntivite...

_ Boa, Dimas. Bem pensado.

_ Já é. Próximo! Boa noite princesa, nome e identidade, por favor.


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Texto: Alexander Reis

Ilustração: Pablo Leandro


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segunda-feira, novembro 03, 2008

O fantasma



A primeira vez que ele apareceu, era um sábado de muita chuva e eu estava sozinho em casa, alta madrugada, apenas pensando na vida. Assustei-me com sua postura e jeito sinistro. Os gemidos e o arrastar de correntes também não eram uma coisa que me deixava tranqüilo. Mas fui acostumando com sua presença, quase todas as noites, principalmente quando chovia.


Sua chegada sempre teatral deixava um rastro avermelhado, com os olhos ardendo em chamas. Podia não ser uma das figuras mais bonitas, no entanto eu já tinha visto muita coisa mais feia e horripilante pela vida afora. Bastava ligar a TV aos domingos.


Passado algum tempo, suas visitas se tornaram habituais. Um pouco distante e tímido no início, mostrou-se um espectro desenvolto e até mesmo muito falador. Nesta época havia largado as correntes, e seu manto meio branco e com diferentes tons de vermelho-sangue pareciam mais uma túnica carnavalesca. Lembrava o Salgueiro.


Um sujeito até mesmo divertido. Contava coisas do além, de seu mundo e do nosso. Podia ficar invisível, mas nem por isso se tornou um voyeur inveterado. Era educado, mas ficava um monstro quando eu perguntava algo sobre sua vida antes de virar um fantasma.


Gostava de cinema, mas sempre discutíamos sobre qual filme assistir. Eu querendo um Coppola e ele admirando os clássicos como Eisenstein. Sempre que eu acendia meu cigarro se incomodava. Com toda certeza continental sem filtro não era sua preferência, mas para um morto, acho hoje que reclamava demais.


Enquanto eu tomava cerveja, preferia vodka com gelo e nem nas escolhas femininas coincidíamos. Ele gostava mais de loiras, vai se saber por quê. Chegava a suspeitar que fosse um fantasma russo, com toda certeza stalinista. Mas não daria pra saber.


Discutíamos muito literatura. Confrontar Machado de Assis com Dostoiévski era de inigualável beleza. Tirando política, todo assunto se tornava agradável, e acabou virando uma ótima companhia para minha solidão.


Um dia simplesmente me disse que não viria mais. Estava cansado daquele lenga-lenga de ir e vir, de lá pra cá, sem destino e coisa e tal. Propus uma troca. Ele viveria minha pacata vida e eu me tornaria uma alma livre a vagar pelo limbo.


Achou poético, mas não concordou. Acabou virando as costas e sumindo, na mesma sombra vermelha em que sempre aparecia.


Ninguém nunca acreditou em minha história, mas não liguei muito pra isso. O que guardo é a satisfação de uma vez na vida ter sido reconhecido por alguém e reconhecê-lo, mesmo em sua forma tão distante da realidade.


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ilustração de Luiz Carlos!


p.s estou organizando uma programação cultural em meu orkut. Coisas do meu agrado é claro.

pra quem quiser ver: em meu album!