terça-feira, novembro 11, 2008

Janela


Ele saía do trabalho cansado, pensando apenas na cerveja do fim da tarde com os amigos. Jogar conversa fora, falar de futebol, política e mulher. Era um camarada divertido e todos por ali gostavam muito dele. Achavam as vezes que bebia demais, mas nunca incomodou ninguém. Pagava corretamente a conta e ia para casa, mas não sem antes mexer com algum rabo-de-saia. Mulherengo de carta maior.


Chegava com a janta ainda quente. A mulher normalmente vendo novela e o filho já na cama. Quase sempre discutiam por algum motivo bobo e ele acabava indo pra cama sem comer ou mesmo tomar banho. Passava no quarto do filho, desejava boa noite e assim era feliz.


A janela aberta, a brisa da madrugada entrando e embalando os sonhos. Uma vida simples, no entanto, nada mais queria para si.


Um dia, sem saber por que, acordou pela manhã e sua mulher não estava em casa e nem mesmo o filho se arrumando para o colégio. A ressaca era grande. Pela janela os vizinhos olhavam. Ele nada entendia. Saiu algemado, com a reprovação estampada no rosto de todos que por ali estavam. Viu ao longe a mulher em prantos, mas nada conseguiu dizer. Seu filho, de apenas 10 anos, caído no parapeito da janela.


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Ele saía do trabalho cansado, pensando apenas na cerveja do fim da tarde. Bebia, discutia, jogava e brigava. A maioria ali se sentia incomodado com sua presença. Enchia a cara ao ponto de mexer com a mulher dos outros, o que quase sempre lhe causava problemas. Ia pra casa aos trancos e barrancos, empurrado por alguém.


Chegava gritando a mulher, pedindo a janta na mesa. Ela já estava dormindo e seu filho também. Sempre discutiam e ele acabava partindo para violência. Acordava o filho às pancadas, e depois desmaiava no sofá. Todos os dias a mesma coisa. O medo e as ameaças calavam a jovem esposa.


A janela aberta fazia com que os vizinhos ouvissem os gritos e a quebradeira. A vergonha também era grande, no entanto nenhuma atitude havia sido tomada. Telespectadores da vida alheia, pra variar.


Um dia foi mais violento que o normal. Ao partir para cima da esposa acabou dando de cara com o filho que tentava protegê-la de mais uma surra. Os dois apanharam muito, mas o filho, de apenas 10 anos não saiu do lado da mãe em momento algum. De manhã, seu corpo estava no parapeito da janela, a mulher aos prantos e o homem saindo algemado, meio sem entender o que se passava.


A reprovação dos vizinhos era grande, talvez porque a novela desta vez estivesse no fim.


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Foto: Luiz Carlos Oliveira

Programação Cultural (orkut)

15 comentários:

TIAGO SÂNZIO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
TIAGO SÂNZIO disse...

Texto inspirado nos debates que tivemos na escola onde trabalho. Violência contra mulher, drogas, racismo, aborto, sexualidade etc.

Assistindo aos trabalhos (teatro, música, textos) a esperança se renova, de verdade!

Não há ninguém melhor do que eles, alunos negros da periferia, para abordar assuntos assim!

Parabéns!

Escola Lucas Monteiro Machado, bairro Pindorama, Região Noroeste, BH!

Filipe Araújo disse...

Muito Bom!
Abrazo!

http://gambetas.blogspot.com

Anônimo disse...

Estudei lá e sei, quantos valores são jogados no meio em vão por falta de estrutura famíliar e telespectadores que não querem virar autores de um final feliz.

muito bom...

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Quando terminei de ler o texto, só vinha em minha cabeça: como o mesmo fato pode ter múltiplas interpretações.
Com estes textos, acredito, que podemos problematizar com os alunos, tanto a interpretação da História, como também, o papel da mídia.
Abraços, Reinaldo.

Anônimo disse...

interessante o texto! Parabéns!

bj!

Unknown disse...

Quando sabemos que a vida pode ser interpretada a partir de vários pontos de vista, somos também mais capazes de escolher, em cada situação, como queremos ser vistos.
Brilhante sua idéia!

TIAGO SÂNZIO disse...

Adorei os comentários! Brigado mesmo!
Que bom que a maioria está gostando desse tipo de texto.

Abraços a todos!

Anônimo disse...

até que comentaram heim. deu sorte dessa vez

Anônimo disse...

Garçom, aqui, nessa mesa de bar, você já cansou de escutar centenas de casos de amor.

Anônimo disse...

Se entendi bem, a segunda versão certamente é da sogra.

Anônimo disse...

Otimo texto para trabalhar com alunos sobre varios pontos de vistas.

Ps. concordo com o Alexander, essa segunda versão deve ser a da sogra.

TIAGO SÂNZIO disse...

deixar o joão fechar comentários mais não!! hehe.. ele ta se achando muito importante!

Anônimo disse...

gostei muito da foto!
Parabéns pro Luiz!