A primeira vez que ele apareceu, era um sábado de muita chuva e eu estava sozinho em casa, alta madrugada, apenas pensando na vida. Assustei-me com sua postura e jeito sinistro. Os gemidos e o arrastar de correntes também não eram uma coisa que me deixava tranqüilo. Mas fui acostumando com sua presença, quase todas as noites, principalmente quando chovia.
Sua chegada sempre teatral deixava um rastro avermelhado, com os olhos ardendo
Passado algum tempo, suas visitas se tornaram habituais. Um pouco distante e tímido no início, mostrou-se um espectro desenvolto e até mesmo muito falador. Nesta época havia largado as correntes, e seu manto meio branco e com diferentes tons de vermelho-sangue pareciam mais uma túnica carnavalesca. Lembrava o Salgueiro.
Um sujeito até mesmo divertido. Contava coisas do além, de seu mundo e do nosso. Podia ficar invisível, mas nem por isso se tornou um voyeur inveterado. Era educado, mas ficava um monstro quando eu perguntava algo sobre sua vida antes de virar um fantasma.
Gostava de cinema, mas sempre discutíamos sobre qual filme assistir. Eu querendo um Coppola e ele admirando os clássicos como Eisenstein. Sempre que eu acendia meu cigarro se incomodava. Com toda certeza continental sem filtro não era sua preferência, mas para um morto, acho hoje que reclamava demais.
Enquanto eu tomava cerveja, preferia vodka com gelo e nem nas escolhas femininas coincidíamos. Ele gostava mais de loiras, vai se saber por quê. Chegava a suspeitar que fosse um fantasma russo, com toda certeza stalinista. Mas não daria pra saber.
Discutíamos muito literatura. Confrontar Machado de Assis com Dostoiévski era de inigualável beleza. Tirando política, todo assunto se tornava agradável, e acabou virando uma ótima companhia para minha solidão.
Um dia simplesmente me disse que não viria mais. Estava cansado daquele lenga-lenga de ir e vir, de lá pra cá, sem destino e coisa e tal. Propus uma troca. Ele viveria minha pacata vida e eu me tornaria uma alma livre a vagar pelo limbo.
Achou poético, mas não concordou. Acabou virando as costas e sumindo, na mesma sombra vermelha em que sempre aparecia.
Ninguém nunca acreditou em minha história, mas não liguei muito pra isso. O que guardo é a satisfação de uma vez na vida ter sido reconhecido por alguém e reconhecê-lo, mesmo em sua forma tão distante da realidade.
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ilustração de Luiz Carlos!
p.s estou organizando uma programação cultural em meu orkut. Coisas do meu agrado é claro.
pra quem quiser ver: em meu album!
12 comentários:
tenho um amigo desses tb. jajaja
bom texto.
Abrazo!
http://gambetas.blogspot.com
Não será o fantasma o Sr. Anônimo? Mas falo do Anônimo Original, não do Luiz, que todos sabemos, é o Anônimo Charlatão. Anônimo Original, faça-nos uma visita, estamos com saudade!
passando para agradecer as correções ortográficas de Alexander... hehe
textos assim são melhores!
Continue escrevendo que continuaremos lendo!
abs
Esse fantasma só faltou ser flamenguista pra ser perfeito.
Leque, agradeço a saudação, mas não sou fantasma.
João, esse comentário só poderia mesmo ser seu.
quem acertar o nome desse anônimo ganha uma cerveja! heahae
só não sei como vai provar!
bom texto!
Parabéns!!!
esse é meu amigo!!!lindo!!
ôxe. esse Anônimo é mesmo um danado.
amanha tem texto do Alexandeeerrr!! ebaaaaa!!!
Luiz está se mostrando um grande pintor com essa ilustração!
Aí fica uma pergunta no ar...
Você pinta como eu pinto?
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