sexta-feira, setembro 11, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 20

Traga então a saideira garçom, faz favor, que a despedida é como uma pimenta braba, nervosa, faz-me escorrer lágrimas.

E a saideira é como a prorrogação, muitas vezes os noventa minutos não bastam para nada. Que o diga o Banjo, adepto da prorrogação seguida por disputa de pênaltis, o amigo usa todo o seu rebolado para que a saideira não chegue nunca, ou melhor, chegue sempre e jamais honre a fama de ser a última das últimas.

Ah, quantas vezes já pedi arrego, porém, maior é o homem com limites, pelos menos tem algum grau de previsibilidade e hora para dormir. Não que eu jogue no Careta Futebol Clube, só que o bom sujeito preza pelo seu sono, nem o som, não há samba, não há nada que me faça mudar, fui.

“Nada é exagero”, alerta-me o grande oráculo, olho que tudo vê, pois por um bom rabo-de-saia (quase) todos abrimos uma exceção, mas, oxe, sobre isso nem falo, o time dos casados anda cheio e não quero fazer inveja nem balançar o matrimônio alheio, isso eu não faço, não.

Fiel esposa, não vem que não tem, sou a favor da monogamia, mas não chego a fazer passeata. Fiel esposo, cuidado, a perdição é perigosa como a ilha de Lost, mas conselho não é comigo e se não fosse o livre arbítrio a vida seria como feijão sem tempero, ruim de aturar, uma merda.

“É a saideira, não precisa polemizar”, berra em meus ouvidos o grande oráculo, ele tem mestrado e doutorado na arte de aconselhar. Vem regular não, que eu não sou opalão seis canecos para ser assim regulado, fora que a (in)fidelidade é assunto que sempre rende, quem nunca foi corno que atire o primeiro copo.

“Pelo menos pare de enrolar”. Tá bem, ó Dr. oráculo, eu paro, afinal, sua razão de ser única são os conselhos. Vamos ao que interessa, que o que interessa é sempre interessante, reparou? “Falô viu, rei da lógica.” Obrigado, jamais recuso um elogio.

A tragédia do Mão-de-Quiabo

Eu estava tranquilão, numa boa, sem neurose, sem massagem, no caso em que eu e o grande oráculo assistimos não de camarote, de geral; gostamos é da fuleiragem. De resto, há situações em que melhor é assistir do que sentir, princípio básico da filosofia de boteco voyeur.

Mão-de-Quiabo recebeu esse nome porque era um goleiro horroroso e a bola sempre escorregava em suas mãos antes de morrer nas redes, tudo em suas metas acabava em gol. Mão-de-Quiabo era e é ainda hoje a alegria dos atacantes e o pesadelo da zaga, frangueiro de uma figa.

_ É, Sujeito, hoje estou com azar – ele dizia todos os domingos.
_ Você é um grande filho da puta, mas eu gosto de você. Não como goleiro, mas como pessoa.
_ Obrigado, Sujeito, você é gente boa, o japonês gordinho, o Bicho-do-mato e o Borboleta também. O resto, aqui nessa pelada, é só chifrudo, só corno.
O que há, Mão-de-Quiabo?, eu perguntei, sem entender direito, dizem que penso devagar, que meu cérebro veio só com duas marchas, não creio.

Os atacantes gritavam “toma, pereba”, “busca lá dentro”, riam e morriam de tanto tripudiar do goleiro, que retribuía com um meio sorriso, fazer o quê.

E os zagueiros ficavam putos, “como pôde tomar esse peru?, tomar no cu!”, neto da vaca com o burro, filho de puta com pedreiro, “aposenta, peruzeiro safado”, “goleirinho vagabundo!”, no que também eram todos presenteados com um meio sorriso e um franguinho de granja.
Nada tenho contra putas e pedreiros.
Nem contra as vacas, sendo que sou simpático aos burros.
Mas não entendia o porquê de tanta paciência do Mão-de-Quiabo.

De estranho já basta o mundo, eu pensei, só que o oráculo cantou a pedra, qualquer olho que tudo vê, mesmo do Paraguai, é perspicaz que só:
_ O primeiro filho do Buiuzinho, artilheiro implacável e um dos maiores detratores do goleiro frangueiro, é cara e focinho do Mão-de-Quiabo, coisa danada. Onde há fumaça há cigarro – disse ele.

Assim foi também com os dois rebentos catarrentos do Enxada, zagueiro de personalidade forte que sempre perseguiu o frangueiro vagabundo. A mão de uma das crianças era engraçada, suava esquisito, babava feito quiabo. Logo, o oráculo e eu apelidamos o fedelho de Quiabinho Júnior.
_ Clima tenso, a pelada tá avacalhada – alguém comentou e não foi o único.

Mais estranho que dondoca bebendo caldo de cana foi que Mão-de-Quiabo ganhara confiança. Fazia defesas difíceis, “é um milagre!”, quase não engolia os tradicionais gluglus, seu meio sorriso era agora um sorriso inteiro, como as coisas são, para você ver.

Em coisa de um ano, um ano e meio, mais três crianças parecidas com o Mãozinha nasceram, sempre filhos de algum dos peladeiros da região.
Um fuxico, o pessoal com sangue nos olhos, babando, babando, desconfiados, chegando junto. E houve quem disse “tá tudo normal, os filhos estão pagando os pecados de vocês, que maltrataram o coitado, por isso nascem com a cara do Mão-de-Quiabo”, explicação exotérica que não resistiria a um teste de DNA.

“Sujeito, desculpe, mas despedidas intermináveis é coisa para frescolentos. Fora que já cansei de vê-lo contar essa história, ainda que a cada vez apareçam novos detalhes sabe-se lá de onde”. Não, não, meu compromisso com a verdade pra lá de verídica é inabalável, como não? “Bem pra lá de verídica”. Se me interrompe eu não acabo nunca, malandragem. “Termine logo, conselho de oráculo”.

Quando Buiuzinho, com habilidade e irreverência, voltou após longa seca a fazer gols, já na prorrogação da peladinha, seu alvo foi ele, o goleiro e anti-herói. Todos ficaram pilhados, malhando, sacaneando, Mão-de-Quiabo era agora a Geni de chuteiras.

“É, Buiuzinho, só que lá na sua casa eu é que sou artilheiro”, retrucou o arqueiro, dando início a uma grande confusão, muitas separações, sendo que vi como triste é o desquite, só que de uma tristeza podem nascer muitas alegrias, quem me ensinou foi o oráculo.
“Vá logo àquela parte do título, já paguei a conta”.
O episódio ficou conhecido como A vingança do Mão-de-Quiabo, mas quando oficiais de justiça intimaram o frangueiro, e não foram poucos os processos de pensão alimentícia, o caso ganhou o tempero da tragédia, que delícia. Ah, se o universo não é fantástico, o último gole da saideira, pronto, fui.
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Texto: Alexander Reis
Ilustrações: Pablo Leandro

11 comentários:

Luciene disse...

Lex,
desde que "vendeu seu peixe" e conheci o blog, passei a ler, depois virei fã, e agora fiquei com a sensaçao de q a cada texto estava ficando mais bacana!

meninos, parabéns, mto bacana!!

Cibele disse...

Parabéns pelo trabalho!
Também li desde o primeiro e sempre gostei dos textos e ilustrações...

Sentirei falta do Sujo & CIA Ltd.

Rodrigo disse...

Despedida em gnd estilo, amigo!
abração!

TIAGO SÂNZIO disse...

delicioso ot exto Leké! E já vai pensando em outra série heim!

grande abraço amigo!

Pablo! ideias e ideias! Valeu pela cerva!

Semp_Toshiba disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Semp_Toshiba disse...

Texto fino...

parabéns, por todos textos e pelas grandes ilustração do cabelo tb...

o show tem q continuar...

PS: quem era esse japonês gordinho?
Esse tenho certeza q nunca foi mão de quiabo...aliás tem grande conceito em todas peladas q brilhou!

kkkkk....

abrçs..

MiChELe BrAgANnÇa disse...

Leque,

Adorei!

Que pena que é a última!
Adoro seus textos, nem sei dizer, qual foi o mais gostoso de ler... sei que adorei todos!!!

Obs.: O meu diretor, não vais mais ficar me olhando com cara de “?”(interrogação), nas sextas-feiras... rsrsrs kakakakakaka

Pablo,

Adorei descobrir seu talento como cartunista... ficaram maravilhosos e com característica de profissional... hehehe
Lembro-me de cada desenho, até o papai Noel Vida Loka!!!
Mil beijos,
Boa Sorte!!!

Aqui, pq escolher o número 20 e não o número 200... É só colocar um zero... hehehe

E por favor, anunciem quando começar a nova edição!!! Hehehehehe

Pamplona disse...

Nem li, mas já estou aos frangalhos.

TIAGO SÂNZIO disse...

ou.. valeu pela homenagem.. tinha esquecido de agradecer..
e aqui.. o Luiz não leu pq essa história de corno ainda mexe muito com ele.. desde 98 mais ou menos!! hehe

Ju disse...

Nossa, a história ficou uma delícia mesmo! IHHH, Que saideira nada, manda descer mais uma aí... rsrsrs.

Bjuh!

Luizhim disse...

Nossa, agora que eu li esse seu comentário Banjo. Babaca e sem graça.
Pelo menos eu tinha mulher o @#$@@!