segunda-feira, outubro 27, 2008

A mulher que nunca veio


Ele se sentava todos os dias no mesmo canto do bar. Pedia uma cerveja, acendia um cigarro e por ali ficava, até altas horas da noite, abrindo a boca apenas para pegar mais uma cerveja ou acender mais um cigarro. Sempre fechava a conta no mesmo horário, pagava e saía, e com apenas um aceno se despedia dos outros ao redor.


Os homens que também freqüentavam achavam-no estranho. Devia sofrer dos cornos, diziam com freqüência. O dono do bar o defendia, não queria perder um bom cliente, muito menos causar intrigas em seu recinto. Mas uma coisa era certa, aquele homem, sempre tão distinto e misterioso causava grande desaprovação, assim que entrava ou saia do local.


Nunca alguém chegou uma única vez para lhe dirigir a palavra. Mesmo porque estavam ocupados demais com os próprios copos, ou os próprios problemas ou o jogo do fim de semana ou a mulher do próximo. Assim seguia aquela perturbadora rotina.


Era um buteco desses de bairro, onde todos se conheciam há anos e normalmente moravam bem perto. Saíam do serviço às 18 horas e ficavam bebendo até fechar as portas ou abrirem o bico. Mesmos pedidos, mesmas conversas. Vício combinado com preguiça de se chegar em casa, talvez. Vá se saber.


Mas aquele homem era diferente. Não era do bairro. Tinha começado a freqüentar havia poucas semanas, e, no entanto já era um dos mais famosos por ali.


Certa vez, um dos habituais fregueses sentou-se na mesa ao seu lado, com o intuito de puxar assunto e acabar de vez com aquele ar de estrangeiro. Homem de poucas palavras acabou não informando nada de importante, somente o trivial. Sempre reticente apenas fez aumentar a sombra que já lhe envolvia.


Teorias foram surgindo e a curiosidade aumentando. Diziam que era um policial, atrás de algum suspeito. Ou então um bandido fugindo da polícia. Parecia um daqueles psicopatas que se vê no jornal. Talvez tivesse matado a mulher ou mesmo toda a família e ia ali para o bar expiar os pecados ou procurar uma nova vítima. As histórias eram tantas e tão absurdas que já tinham virado piada.


-Vai ver é um simples corno mesmo! Esperando a mulher que fugiu com o carteiro, leiteiro ou jornaleiro, ou mesmo com os três. Ele fica sentado ali calado. Esperando ela voltar.

-Vai ver que ela nunca veio né?

-Como assim?

- Uai... talvez um amor platônico, não?

-Vai ver é gay.

-Gay? Ele não tem cara de gay. E o que isso tem a ver?

-E desde quando gay tem cara?

-Ainda acho que é isso. Esperando aquela mulher, perdida no passado, que nunca veio e talvez nunca apareça de fato.

-Metido a poeta, você heim?

-Aprendi com sua mãe.


Pra não piorar as coisas, as discussões eram cessadas pelo dono do bar que propunha mais uma cachaça e um novo assunto qualquer.


Apesar de toda inquietude, este mesmo homem que mexeu com o cotidiano do bar durante um mês, do mesmo jeito que veio se foi e nunca mais voltou.


Sua mesa ficou vazia por vários dias, até ser ocupada por uma misteriosa mulher, com olhar ao longe, que chegava e nada dizia.


Mais uma vez a vida girava, passava e ficava na mesa de um bar.


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Tentativa de um texto um pouco diferente. Espero que seja do agrado de todos. Aceito críticas e sugestões viu?


Aproveitar para divulgar o show de Janaína Moreno, sábado que vem no bar A Casa. Samba de primeira qualidade. Mais informações abaixo.


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14 comentários:

TIAGO SÂNZIO disse...

pois então... tentativa de um estilo diferente e que gosto muito! Ajudem nos comentários.. rs

Janaína Moreno no bar A Casa, sábado às 16 horas... Samba que vale a pena, pelo talento, carisma e beleza dessa nêga!

Abraços!!

Anônimo disse...

Gostei do texto! Bom cronista vc!

Anônimo disse...

com certeza estava pensando em uma mulher...em um amor antigo e perdido pelo tempo!

aqui, consigo te identificar nesse texto: " já era um dos mais famosos por ali", bem a sua cara!

Muito bom!!!!!
beijos carinhosos

Anônimo disse...

Muito interessante. Melancólico. Essa espera, ou desencontros... Gostei mto. "É o destino, não se pode fazer nada".

Unknown disse...

Gostei da mudança. Foi seu texto que mais gostei até agora.

TIAGO SÂNZIO disse...

tb foi um dos textos que mais gostei de fazer!

Anônimo disse...

Melancolia é bem a palavra... resultado da solidão, talvez.
Ótimo texto!

Filipe Araújo disse...

tentativa de sucesso, camarada!

Abrazo!

http://gambetas.blogspot.com

Adelino disse...

Bom o texto, de bom grado e com estilo.

Abraço meu caro


Adelino.

Unknown disse...

ai...ai... bom demais... bjo enorme...

Anônimo disse...
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TIAGO SÂNZIO disse...

Obrigado meus caros...

Amanha tem texto novo, se tudo der certo!

abraços!

Anônimo disse...

apagou meu post! Não estou gostando da ditadura deste blog!

e agora EU sou o anônimo oficial!

Unknown disse...

Adorei a idéia, o texto.
Prossiga, prossiga!!!