quinta-feira, abril 16, 2009

O Universo Fantástico da (Filosofia) Psicologia de Boteco


Número 12


Espalha-bolinho [adjetivo]: aquele que faz a rodinha dispersar; ser desagradável. Uso pejorativo. Etimologia: latim vulgar, do v. espalhus-bolim: ato ou efeito de fuder o papo agradável. Ver: paporuim.


Quem quiser que confira. Eu li no Houaiss que peguei emprestado e esqueci de devolver. Tenho receio que a senhora de 92 anos que trabalha na biblioteca faleça e sua alma venha em busca do Houaiss. Um receio apenas. Como os atentos e até as não-atentas podem já prever, tornei-me sinônimo do adjetivo transcrito, e a velhinha da biblioteca pouco tem a ver. Estou na merda. Acabado. A reputação de espalha-bolinho é uma tristeza. Uma vez sido, pra sempre fica sendo, diria meu irmão, Saulo Quecoisa.


Quarta, 22h11min


“‘No bar, todo mundo é igual’ – Reginaldo Rossi, o Roberto Carlos da filosofia de boteco”, diz a plaquinha que eu mesmo mandei colocar no Bar do Baiano.

O Baiano, nascido em Belo Horizonte, é gerente, cozinheiro, DJ e garçom do bar. Fora que faz a limpeza, de vez em quando, e ainda exercita o hobby de psicólogo.


_ Não sei de onde inventaram isso de espalha-bolinho.

_ Fica tranquilo. No bar, todo mundo é igual.

_ Ah, nem.

_ Não é culpa sua. É?

_ Olha ali, tem um cliente chamando, ó.


Baiano atende à clientela no ritmo preguiçoso da boa terra. Eu tomo tranquilamente só uma cerveja. A carne cozida da casa seria mais corretamente chamada se seu nome fosse gordura cozida. O Baiano não se preocupa nem com alvará nem com nome. Bate uma azia. Nossa, cabulosa.

Consternado, o gerente oferece uma tinguaça por conta. Um consolo.

_ Aceito. De graça, até ônibus errado.


O garçom busca o molha-beiço, a água que espanta até canário-belga e aproveita para exercitar um pouco do seu hobby.

_ É na função de psicólogo que cheguei aonde cheguei, gaba-se.

_ Isso não faz sentido, Baiano. Você é o único funcionário. Sempre foi o gerente. Chegou aonde?

_ Antes eu não me sentia como “o gerente”. Só como “o garçom”.

Da última vez que o encontrei, é preciso contar, Baiano disse: “Sujo, comporte-se como gerente da sua vida e tudo irá melhorar. Olhe para o meu bar. Quando decidi que eu seria o gerente tudo aconteceu”. Mesmo sem notar o que aconteceu, pois continuava tudo exatamente igual, segui o conselho.


_ Notou alguma melhora?

_ Sim. Agora levei a fama de espalha-bolinho.

_ Abra esse coração-vagabundo, Sujo.

_ Poxa, antes eu preferia ficar calado, quieto e todos desconfiavam que eu fosse idiota. Passei a falar e todos passaram a ter certeza.

_ Temos aqui um caso clássico. Você estava mais apático que cerveja choca. Agora, está transbordando mais que cerveja quente em copo descartável.

_ Que precisão! Acho que é isso mesmo.

_ Olhe para o copo de tinguaça. Está meio-cheio ou meio-vazio?

_ Depois que eu beber vai estar vazio.

_ Hum, interessante.

_ O quê?

_ Perceba, Sujo: você falou, mas não disse. Quer dizer, disse, mas não respondeu.

_ Mas esta pergunta é mais velha que a velha da biblioteca.

_ Quem conversa em demasia até ao cavalo dá bom-dia. Não adianta falar, falar e não dizer.

_ Pensei que as pessoas gostassem disso.

_ Entendo. É sua forma de gerenciar a situação. Sinal de insegurança.

_ Certeza?

_ Só pode ser isso. De tanto tentar agradar você desagrada e espalha o bolinho.

_ Sei não.

_ É isso. Só pode.

_ Será?

_ Você sabe que seu papel na sociedade é como o da meleca no nariz e isso tem lhe afligido, não é mesmo?

_ Meleca é sua mãe.

_ Hum, interessante.

_ O quê?

_ Você agride para se afirmar.

_ Chifrudo.

_ Interessante... Já sei!

_ Ah, sabe. Sabe nada.

_ Com toda razão, você se sente como um excremento.

_ Nada a ver.

_ Rejeição é algo natural. Relaxe. Alguns gostam dos olhos. Outros, da remela. Quem gostar de remela vai gostar de você – argumenta.

_ Não é nada disso.

_ E quem não gostar de remela, que se dane.

_ Colocaram azeite de dendê na sua mamadeira?

_ Ah, não. Aí não. Agora me ofendeu. Vou fechar o boteco. Ir pra casa ver minha Baiana...

_ Faz isso não.

_ Só se assumir que se sente como um excremento.

_ Suponhamos que eu fosse. Assim sendo, saberia quem sou, de onde vim, para onde vou. Afinal, merda é merda. E a verdade é que não sei nada disso...

_ Você falou, mas não disse. Enrolou, mas não admitiu. Interessante... – ele diz, todo debochado, enquanto ri. Não por último. O pagamento fiado é a forma de retaliação mais cruel que já ouvi falar.


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Texto: Alexander Reis

Ilustração: Pablo Leandro

18 comentários:

Alice disse...

Muito bom o texto, fiquei imaginando a cena, interessante..... Garçons realmente são pscicólogos.... Parabéns para os meninos... Bjo pros 3.

Ju disse...

"agua que espanta até canário-belga"?? kaakaka! adorei, viu?
E os desenhos? estão melhores a cada dia!

Vc fez em homenagem a nossa amiga espalha bolinho??? :? deve ser...

bjuhh!

Ju disse...

Ha não, pera ai, e essa de férias?
aff.

MiChELe BrAgAnÇa disse...

Bom Texto, Leque...
beijos

MiChELe BrAgAnÇa disse...

o desenho, tbm...
beijos

Anônimo disse...

ah, que bom... vamos ter ferias??!!! pelo menos assim, se eu quiser um colo eu vou ter....

Anônimo disse...

rsrs michele braganca

Anônimo disse...

os comentários tão meio fraquinhos, coitadinhos! só chamando a michelle e a tati pra salvar, rs rs. Mas o texto ficou bom!
abrs!

Rodrigo CMT disse...

Beleza, bem legal as sacadas, mas se eu for ver pagamento fiado como retaliação, vou estar sempre retaliando, sempre retaliando, sempre retaliando...
hehehehe!

MicHeLe BrAGanÇa disse...

Sr. (a) Anônimo (a)....
Os comentários não estão fracos... O detalhe é que, como não recebo mais... Fica difícil... rsrs
E nos últimos dias, estou sem condições ler e escrever, aí, nem teve como fazer os comentários “casos de família”, nas palavras do anônimo Pablo...
Vamos levantar a campanha “15 reais já”.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Alexander disse...

Ah, mas eu sempre desconfiei que o preço do comentário tava inflacionado. Nego ia largar o emprego e ficar o dia inteiro aqui comentando. Acho que um abraço por comentário já está de bom tamanho.

Venúncia disse...

Por isso que eu gosto do garcom padronizado!!!!! muito bom!

Pablo disse...

e quando pensa que não, quem da o ar da graça?...

...Venuncia quanto tempo, um abraço!

Alexander disse...

Venuncia, que milagre você por aqui! Sou leitor habitual do Contraponto.

Habitual em termos, já que não é atualizado habitualmente.
E olha que não sou adepto da filosofia tradicional.

Tiago, meu filho, falando em atualizar...

Aldrin Iglesias disse...

Maravilhoso.
Destaco, também, o "canário belga".

abraços

Bahasi disse...

muito bom!!!

Aldrin Iglesias disse...

alô?

Jozieli disse...

Vejo só, não está tudo perdido, você poderia se chamar Gregor e acordar uma barata! (no fundo, somos todos iguais).