sexta-feira, julho 17, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 16

Dim-dom.
A campainha da minha casa faz ding-dong em latim.
Dim-dom, dim-dom.

Domingo, 07h59 min.

_ Bom dia, Campanha do Quilo.
_Quanto é o quilo?, quilo de que?
_ Não, Campanha do Quilo.
_ Campainha do quilo.
_ Não, senhor. É uma campanha...
_ Não sou muito de campanha.
_ Desculpe acordá-lo, senhor.
_ Não tem problema, eu volto a dormir de novo.

Dim-dom. Dim-dom.
_ Tio, pega a bola que caiu aí pra mim.
_ Pirralho seboso.
_ Ih, acordou mal humorado.
_ Só acordo de bom humor. Se não estou de bom humor é porque não acordei.
_ Parece não.
_ Pega lá a porra da bola que vou dormir um pouco.

Dim-dim-dom.
_ Bom dia.
_ Que doce é a ironia.
_ Como?
_ Não fode.
_ Não é aqui que mora a Fernanda?
_ Aqui mora a Ferdinanda, minha mãe.
_ Agora me pegou.
_ Peguei?
_ Será que troquei as bolas? Sua mãe é uma senhora gordinha, mas vistosa, nem baixa nem alta, branca, um pouco morena?
_ Você está caçoando, está de chacota.
_ Preciso dar um recado a ela, é importante.
_ Vou lá dentro chamá-la, caramba.
Nunca ouvi ninguém chamar mamãe de Fernanda, uma senhora gordinha, mas vistosa. De todo modo, mostro mamãe, ele confere se ela é ela, eu durmo um pouco. Mas mamãe está viajando, tinha esquecido.

_ Minha mãe está viajando.
_ Olhe, é um recado importante, viu.
_ Sou o filho preferido dela, dê o recado pra mim e eu encaminho.
_ E se ela não for ela?
_ Espere aí, então.
Volto, abro umas gavetas, já sei qual. Pego as onze mais recentes fotos de mamãe.
_ Dê uma olhada aí.
Na primeira foto ele diz “não, não é ela, não. Tenha um bom dia”.

Dim...
_ Bom dia! – agora são três. Estão de terno.
_ Vai te catar, vão os três, o que querem?
_ Somos testemunhas de Jeová, se o jovem aí tiver alguns minutos...
_ Campanha do minuto?
Eles comentam algo sobre um odor de cachaça, blá, blá, blá. Melhor seria dispensá-los e dormir um pouco.
_ Além do mais, já testemunhei para o Betinho, quando processou o Josias...
_ O quê?
_ Para a Rita, quando apanhou do Josias...
_ ??
_ E para o Baiano, quando teve seu bar quebrado pelo Josias. O Josias está puto, nunca mais vou ser testemunha de porra nenhuma.
_ Como?
_ Já vi que não me entendem, estou pensando alto, vou dormir.
_ Sua consciência não pesa, pecador?, um deles pergunta.
_ Não sei do que está falando – e ele levanta a sobrancelha engraçado, num ar inquisidor. Bem, quem tem a memória fraca tem a consciência tranquila, nunca ouviram falar?
Eles me olham, eu olho pra eles.
_ Memória fraca, travesseiro macio, consciência tranquila.
_ Que Deus abençoe, eles respondem e se vão.

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Texto: Alexander Reis
Ilustração: Pablo Leandro

7 comentários:

Luciene disse...

Lex,
delícia de texto!
adorei!!

Luizeto disse...

Ouuuu, ze graca.
To sem acento aqui.
Ummm.

Igor disse...

"Quem tem memória fraca tem a consciência tranquila": taí a legítima filosofia de boteco, cuja veracidade é indubitável, posso confirmar.
Valeu Leke.

Aldrin Iglesias disse...

Minha memória é ótima. Como consigo dormir? Preocupação também cansa.

abaços

Alexander disse...

Luiz(eto),
mas que comentário incompreensível, amigo.
Igor,
essa é uma filosofia de boteco já bastante difundida e eu sempre me esquecia dela.
Valeu!!

TIAGO SÂNZIO disse...

Luiz ta demais heim... hehe
ótimo texto leké! gradei muito!

Tati disse...

Alexander Zé Ruela,Eu que devia ter tocado a campainha depois dos caras que testemunham Jeová, ou seria Jessé? Devia ter ido cobrar meus parabéns, que por INCRÍVEL que pareça não chegaram por aqui nem sozinhos, nem acompanhados de um abraço!
PORRA< ALEXANDER, ONDE ESTÁ O CAMARADISMO E A POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA?? kkkkk

Beijos, peste!

Ps: sempre atrasada, já virou rotina!