quinta-feira, julho 02, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 15

Sem menos nem mais, acordo. Numa pensão, em São Judas das Botas. Com o travesseiro cheio de caspas.
“Será aqui o meu destino?”. Bato com o travesseiro em minha cabeça, tentando colocar as caspas de volta em meu cabelo. Tem uma cama ao lado, bagunçada. Da outra vez que vim em São Judas das Botas, não reparei.
_ Acorde, Sujo.
_ Você, quem é?
_ O Zelador.
_ Ah.
Apago.
_ Acorde, Sujo, acorde. Existe mais no universo que o seu ponto de vista.
_ Como, por exemplo...?
_ O jogo. Tem o jogo.
_ Ah.

Agora um estádio lotado, completamente. Sim. Não imaginava que existia um estádio tão imponente na acanhada São Judas das Botas. “Talvez tenham construído para a Copa”, penso. O técnico, o saudoso Professor, não tão depressa me chama pro jogo. Parece que só faltam 15 minutos para a partida acabar. E nem vi o jogo passar, apaguei no banco de reservas.
_ Coloque suas botas.
_ Tudo bem. Alguma instrução a mais?
_ Tente fazer um gol.
_ Posso fazer uma pergunta tola?
_ Pergunta tola é só a que não foi feita.
_ O que estou fazendo aqui?
_ É o que também me pergunto todos os dias, quando acordo.

Entro em campo.
O tempo passa como se não tivesse passado.
Aos 47 do segundo tempo recebo um cruzamento, dele, Ronaldinho Gaúcho, e completo de cabeça. Gol, gol, gol, gooooool!
Tiro a camisa, as botas, até o short eu tiro, pra comemorar. A consagração. É a primeira vez que jogo de botas, e um gol. Que golaço.
Mas a alegria de forma geral, não há dúvidas, dissolve feito sonrisal: o bandeirinha marca impedimento, com atraso. Estou impedido. Peladão no campo, só de cueca e meião, comemorando, que vergonha.
Protesto. Xingo. Grito. Opa, o safado do bandeira é a cara de um mendigo que me passou a perna faz tempo, aqui mesmo, em São Judas das Botas.
_ Você estava impedido, seu burro.
_ Vamos ver no tira-teima.
_ Não existe tira-teima, ô esquisito.

Ronaldinho demorou a tocar a redonda. É o culpado.
_ Passa a bola, Ronaldinho. Caralho.
_ Depois do jogo tem pagode – ele responde.

O tempo passa como se não tivesse passado. Estou no pagode, quero é pagodear.
_ Quem é aquele ali cantando?
_ O não sei quem, de um grupo novo que não sei qual – responde O Zelador.
_ Ah.

O passado é como um fardo, meu amor,
Vou mimi com cafuné do meu neném
Faz beicinho pra enganar a minha dor (...)

_ Rimar amor com dor e neném com neném. Uma bela sacada...
_ Ah.
Fico confuso. Menos por ter ouvido “neném” só uma vez, não havendo rima, mais pela mulher com o rebolado da Eva, um antigo amor, não há dúvidas, que cruza o meu caminho agora. Sem pensar, passo a mão na bunda gordinha da moça. Ela vira.
_ Oi Eva.
O rosto não é exatamente aquele da Eva. É de outra. Por sinal a conheço de algum lugar, de onde será? Que vergonha. Algo cai.
_ Deixe-me pegar – tento me refazer da mão na bunda, uma ação impensada.
_ Meu olho caiu. Encaixe pra mim – a moça diz.
_ Tudo bem, é só enfiar no buraco?
_ É.
_ Não sei o que deu em mim, pra passar a mão na sua bunda.
_ É.
_ Posso fazer uma pergunta meio idiota?
_ Meia idiotice seria não perguntar. Se for sobre meu olho, quem enxerga demais vê até assombração – agora a voz dela é idêntica à de mamãe.
_ Tem uma cascavel saindo do teu ouvido?
_ Não, não. É uma sucuri.
_ Ah.
Trim. Trim. Trim. E o despertador não passa de um destruidor de sonhos vagabundo.


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Texto: Alexander Reis
Ilustração: Pablo Leandro

10 comentários:

Juliana disse...

Meninos,
fiquei impressionada com a idéia, a forma diferente de contar e com a ilustração também, cada que vez passa melhor!
Me diverti com os detalhes, a cara de um sonho realmente, aquelas coisas doidas todas, e tudo mais.

Bjuhss!!!

MiChELe BrAgAnÇa disse...

Leque,

Ficou muito bom!

Adoro sonhos! O detalhe é que a maioria das coisas que sonho, acontecem...
É mega paia, às vezes já fico sabendo do que vai acontecer. Aff... E por isso, quando, sonho que apareci só de toalha e descalço na escola, fico morrendo de medo de acontecer de verdade! aiaiaiai rsrs

Você mandou muito bem!!! Adorei!!!!

Menino,

Num é que eu até achei que você tinha o pôster do Ronaldinho em casa e tinha mulher escondida no seu banheiro!!! Rsrsrs

Ficou muito bom! Está cada vez melhor!

Parabéns!

(>,,,<)(“)
(=“;“=)/ / Beijos...
-(,,)-----

Anônimo disse...

Desculpa, mas vcs tomaram um LSD antes de fazer isso daí.

Igor disse...

Coincidência, eu ia fazer a mesma pergunta do anônimo.

João Carlos disse...

Aff, a pergunta do LSD já foi feita. Cheguei atrasado.


Mas sonho é sonho e vice e versa né. Quem nunca teve um sonho esquesito que atire a primeira pedra.

TIAGO SÂNZIO disse...

esquEsito João Carlos? ai ai
falarei isso com dona Celina!

TIAGO SÂNZIO disse...

ah! esqueci de dizer.. o texto me lembrou david lynch.. hehe
abs, Leké!

Tati disse...

Nossa.....eu que sempre chego atrasada!!! Vim só comentar que eu tenho CERTEZA que algum tóxico rolou antes de vc escrever esse texto! Vá lá que sonho pode ser estranho...mas ASSIM já é demais!!! kkkkkkkk

Beijos, queridos

Carlitos Pamplona disse...

Poxa, mas era um sonho?
Prefiria não saber.

E ô, não sou o anônimo, não sou.

Não escreveria lsd - no máximo doce.
E digo, o leque escreveu isso depois do café; quem sabe um baseadin.
HUAauhu.

Kelly Christi disse...

eu comentei no seu outro blog achando q era o unico rsrsr
mas qto ao seu texto, divertido e bem escrito, pena que acabou com o trim do despertador, tava adorando...rs

bjito

http://www.pequenosdeleites.blogspot.com