quinta-feira, novembro 05, 2009

Trouxa!


Hoje foi um dia cansativo. Exaustivo mesmo, como já imagino que será todo este fim de ano letivo. Já sabia desde o início que ser professor não seria fácil. Ninguém me enganou, nunca tentei ser sonhador ou salvador da pátria. Sempre quis encarar a realidade, tendo consciência dos meus direitos e deveres.

Pra quem não sabe, leciono história em uma escola pública de Belo Horizonte, num bairro periférico e bem perto de minha casa. Cheia de problemas, algumas alegrias e muitas surpresas, como a maioria das escolas estaduais.

Como é um texto de desabafo, posso deixar bem claro que dar aula no estado infelizmente emburrece qualquer um. Você, querendo ou não, fica preguiçoso e acaba se cansando de dar murro em ponta de faca. Mesmo com alguns alunos que merecem um pouco mais de atenção, a paciência vai se esvaindo, aos poucos... Levando sua juventude e sua vontade... Tenho apenas dois anos e meio de profissão, mas a certeza de que não quero isso para a vida toda.

Hoje, depois de uma discussão, um aluno após balbuciar palavras que nem preciso escrever me chamou de trouxa e folgado. Tenho convicção de que folgado eu não sou, mas, no entanto a tristeza e o pesar bateram por que, sinceramente, não sei se ele está errado em me chamar de trouxa.

Trabalho em dois turnos, muito mal remunerado, mas continuo tratando bem a todos e entrando em sala sempre sorrindo. Devo ser realmente um trouxa, porque nunca me lembro de Aécio Neves quando um aluno me desrespeita e me faz perder a autoridade. Ou quando recebo o contracheque. Ou quando vejo propagandas ovacionando as melhorias do governo pela televisão. Seria isso um sonho? Trouxa sim!

Meu medo maior, como sempre digo aos meus amigos, é não saber onde isso vai parar. Ler e ver reportagens de professores agredidos já está virando notícia “normal”. Será essa a educação que queremos? Mas é essa que temos, meus caros.
E é bom ninguém se iludir, por que segundo o que ouço, as escolas particulares estão tão ruim quanto. Um aviso aos professores das faculdades: Eles estão chegando, viu? A bomba também vai estourar no colo de vocês.

Conversando com meu amigo, também professor, João Carlos, levantei a seguinte questão: Um dia com certeza, um político bem ordinário disse em reunião – “Precisamos de uma população burra, que não saiba votar e muito menos lutar por seus direitos, vamos minar a educação, desvalorizar o professor, sucatear as escolar e dar a libertinagem aos alunos, fingindo sempre que é inclusão”- todos os presentes devem ter aplaudido esta brilhante ideia, mas garanto, que nem este político, na pior das intenções, imaginava aonde iríamos ou vamos (?) chegar.

Tenho aluno de Ensino Médio que mal sabe ler ou escrever. Alguns também não sabem falar. Daqui um tempo voltaremos a usar tacape, puxar nossas mulheres pelos cabelos e emitir gruídos indecifráveis.

Ai sim, direi no primeiro dia de aula: Sou o seu professor, trouxa sim, e bem-vindo à idade da pedra!
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Eventos: orkut

15 comentários:

Unknown disse...

Amigo Sânzio,sei muito bem o que é isso. Lecionei pelo Estado e pela Rede Particular. Os bons modos,a delicadeza, a educação vinda de casa,ou que deveria vir,não vem.E somos obrigados a intervir e a sair dos limites do Ensino para a construção do conhecimento dos alunos para sermos reféns,trouxas e domadores de uma violência e de uma incapacidade acima do normal. E pensamos pra quê e por quê disso tudo. Dá uma tristeza e ,ao mesmo tempo,um certo remorso de abandonar o barco. Quando lecionava gostaria de criar aliados para combater a alienação mas,tá osso.
Força!!!
P.s.: E hoje ,por acaso,conheci uma aluna sua que está muito feliz de tê-lo como professor.Disse das coisas e de sua matéria dada em sala e de sua prática de ensino.É...

Noh Gomes disse...

Você disse tanto que não sei por onde começo, mas vamos la. Tenho uma prima que tb fez historia, não aguentou a escola e foi trabalhar em outra area, triste isso, muito triste. Tenho amigos professores, eu trabalho numa rede particular (não sou professora), na area pedagogica, e ja escutei casos de levantar cabelo de careca meu querido, ai pensou eu, na minha epoca (olha a velha falando), as coisas não eram assim, eu amava meus professores, tinha-os como exemplo e quando ligo a TV (aparelho pra burro ver), vejo a seguinte materia: Professor é agredido, é ofendido é ameaçado.
De tudo isso fico com um medo interno pq tenho uma pequena e morro de medo da vida la fora, medo por ela, pela educação dela, pq eu a crio, fico de olho, mas e os outros, e o mundo???
É meu nego não ta facil, não tem como ser feliz diante de tanta descrença, to achando melhor ja começarmos a separar uns tacapes e preparar os cabelos.

Beijokas millllllllllllll

Filipe Araújo disse...

Isso passa muito além de imaturidade. A idéia é a que vc mesmo disse. Não interessa para que governa ter uma população letrada, capaz de absorver informação e reagir a ela. Com pouca "concorrência" nossos coronéis (ou caciques, como queira) continuam tranquilamente nos fazendo de "trouxas".

Saludos!

http://gambetas.blogspot.com

expsto escondido disse...

É meu amigo, te consolar nem sei como. Tamos aí, no mesmo barco furado, nós, os trouxas.

bjo, vanusa

expsto escondido disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
expsto escondido disse...

ah, mas de tudo salvou-se esse texto q tá muito bom. rs amarelos
vanusa

Alexander Reis disse...

Pelo menos vc ainda pode ir de saia curta, Banjão. Fosse na Uniban...

Luizhim disse...

Que isso!, mas o Aécio gasta tão pouco com propaganda, só alguns milhões.
Bom,
força ae, boa sorte na sua vida e estamos ae.
Abraços!

Venúncia disse...

Ensaiei um consolo para o seu desabafo, mas quer saber? Bom mesmo é não ser consolado senão a gente esquece de um dia ruim e se alimenta daqueles dias em que 1 aluno mais ou menos virtuoso diz que sua aula realmente o interessou. Sinceramente, não dou a mínima pra esses dias ilusórios, ser professor é quase sempre uma lástima. Auto-engano, ilusão de que fazemos alguma diferença... O negócio é assumir um egoísmo terapêutico, dar aula daquilo que mais gosta e só se esforçar quando tiver interesse. Eu não salvo ninguém, se quiserem respostas que procurem sozinhos. Esse foi o meu desabafo, afetado... desculpa o abuso.

Rômulo Resende Reis disse...

Caro Tiago,

Lembro de quando nos encontramos no Maleta a cerca de um mês, e tomando cerveja, lhe disse que estes monstros gestados em nossa falida rede educacional já estão chegando nas faculdades. É triste constatar a quantidade de analfabetos funcionais no ensino "superior". Um grande abraço e parabéns pelo blog. Quando for a BH te ligo para tomar uma cerveja.
Rômulo

joao carlos disse...

É Tiago, para consolo pensa na minha situação. Enfrento os mesmos problemas, mas trabalho bem longe de casa e a prefeitura não quer nenhum concursado. Escola pro prefeito é lugar de colocar cabo eleitoral.


Tenho muito medo do futuro (DUARTE, Regina 2004) e estou chegando a mesma conclusão de vc. Vou parar de dar aula e irei vender coco na praia.

Unknown disse...

É, Tiago... A realidade da escola é como um tapa na cara... Eu, estudante de Letras, não carrego aquela imagem idealizada de um futuro professor que vai mudar o mundo, mas acho que se a gente entrou nessa, sabendo desde o início que não seria fácil, devemos encarar o problema de frente e fazer a nossa parte da melhor forma, assim, como você faz.
Sei que o desgaste, o salário, alguns alunos e escolas desmotivam completamente o professor, muitas vezes interferindo diretamente no ensino. Mas acho que a escola já tem problemas demais e o professor não pode ser mais um desses problemas, como também tem sido. Não seja um desses. Desistir da coisa toda só piora este quadro.
Sim, a situação está caótica, triste! Você não dedicou anos da sua vida estudando para ser chamado de trouxa. Seu desabafo é legítimo. Seu texto diz tudo. Mas, uma coisa que você nunca foi e nunca será, por ser um professor, é exatamente isso: um trouxa. No contexto atual você é um herói e, certamente, um espelho pra muitos alunos que precisam e QUEREM professores que, apesar de tudo, ainda tentam "salvar a pátria".

Um bjo.

Letícia Brito disse...

É companheiro trouxinha,
Trouxa também sou, dou aulas de Educação Física no município do Rio de Janeiro, e embora minhas aulas, teoricamente, sejam muito mais queridas que as de História... sou só a pessoa que detém a posse da bola, foi-se o tempo em que eles se motivavam pelo esporte.
Mas continuo tentando, sabe porque?
Porque o sistema todo é falho, e corrompido, e está alcançando o que deseja...Não devemos pretender mudar, transformar, porque isto causa esta sensação de frustração recorrente. O sistema é maior do que nós.
Entretanto, precisamos ser os responsáveis por jogar pedras nas engrenagens do sistema. Até que um dia, ele quebre...
Força!
Procure outra profissão enquanto isso...haha
Vai fazer samba!
Beijos,

Noh Gomes disse...

Bunito, me passa seu e-mail denovo, perdi heheheh

bjossss

MiChELe BrAgAnÇa disse...

Ei Banjo,
Fico sensibilizada com este assunto...
Imagina como estarão os meus filhos e os meus netos?
O problema é que todos nós estamos visualizando a precariedade da educação e não podemos fazer nada! Ou será que podemos e não fazemos?
Acredito que podemos e não fazemos...
Os pais de hoje são os que lançam os filhos contra a parede, os que mordem, que agridem com palavras e humilham as nossas crianças.
Poxa, Banjo, me sensibilizo porque no mundo, tanto as crianças quantos os idosos estão abandonados e quem pode fazer alguma coisa, prefere responsabilizar os governantes a simplesmente fazer.

Fui fazer um trabalho em um asilo e a minha entrevista foi a seguinte:
- Boa tarde! Como é o seu nome
- Não lembro.
- Há quanto tempo o senhor está no asilo?
- Eu estou no asilo?

Fico triste, pelo simples fato de um senhor de 80 anos, não se lembrar do seu nome e não saber que está em um asilo, ele acredita que está em um hospital e que vão buscá-lo, quando sarar... Quase chorei! Fiquei sem palavras.

A minha preocupação é como que nós vamos ser tratados por nossos filhos, se a educação que eles têm é a que você mencionou.

Fica um grande abraço,

Parabéns! Adoro ler seu blog.