quinta-feira, março 19, 2009

O Universo Fantástico da Filosofia de Boteco


Número 10


São Judas das Botas? Oxe. Não sei se a cidade tem esse nome como mera referência (“Ah, o Judas, aquele que perdeu as botas...”) ou se encontraram lá as botas do safado. Sei que Judas fez coisas mais graves que perder o calçado. Mas a questão não me atormenta. Não, de modo algum. Pé na estrada.


“Viver é muito perigoso”. Nem as veredas do sertão deviam ser mais perigosas que o caminho para São Judas das Botas. Deixe pra lá. Só estou divagando. Devagar, mas nem sempre. Pé na estrada. 3hs e 53 min. depois chego ao destino. Penso:

_ Será mesmo aqui o meu destino?

Vou ao bar. Peço um café.

_ Tem fumo de rolo aí?

_ Tem sim, senhor.


_ Me vê aí uma Tinguaça? Tem?

_ Tem sim, senhor. Mas não fica bem começar a frase com um pronome obliquo átono. Pega mal. O senhor sabe como é, cidade pequena, o senhor pode ficar mal falado, com fama de iletrado.

_ Me desculpe. Quer dizer: desculpe-me. Pensei que ia dizer que não ficava bem começar o dia tomando uma tinguaça.


Em frente ao boteco, uma pracinha. Um mendigo feioso, esquisitão, fica me observando, enquanto enrolo meu cigarro. Talvez por achar que eu enrole o mundialmente amado cigarrinho do capeta. Na verdade é só um fumo de rolo. O mendigo cruza toda a praça. Parece-me bem familiar: o andar corcunda, a cara de vagabundo. Ele se aproxima.

_ Qual é.

_ Qual é o quê?, picolé.

Ele me olha (esquisitão) e pergunta:

_ Não me reconhece?

_ Você é aquele cara do Big Brother Um?

Não era. Mas o pior foi ouvir:

_ Eu sou você amanhã.

_ Que brincadeira de mau gosto, mendingão.

_ Não é mendingo. É mendigo.

_ Me desculpe. Quer dizer, desculpe-me.

_ Dê-me um trago do seu cigarro.

_ Não se envergonha de ficar por aí pedindo cigarro para um desconhecido?

_ Quando eu tinha sua idade me envergonhava. E não somos exatamente desconhecidos. Sou você amanhã.

_ Eu não sou banguelo.

_ Não, hoje.

_ Não sou careca.

_ Ainda.

_ Não sou de todo xexelento e fedido.

_ Por enquanto.


É. O mendigo é bem esperto. Tem a resposta na ponta da língua. Provavelmente, não sou eu amanhã. Nunca fui esperto. Para não parecer injusto, resolvo fazer umas perguntas. Para, vocês sabem, averiguar. Como quem não quer nada, digo:

_ Quantas vezes repetiu o exame psicotécnico?

_ Passei na quarta tentativa. O que você quer com uma pergunta dessas?

_ Nada. De quantos colégios você foi expulso?

_ Nenhum. Eu só dormia durante a aula.

É. Se o mendigo-feioso-careca-banguelo-xexelento não sou eu, talvez nem eu mesmo seja eu, no caso de isso ser possível.


_ Bom, mendigo... Não há dúvidas que você diz a verdade. Mas o que manda? Se você sou eu, não vai chegar me extorquindo, né?

_ Não, quero só falar de umas coisas. Umas reflexões minhas.

O mendigo é mais um adepto da filosofia de boteco. Sou eu amanhã, mesmo.

_ Diga, fedorento.

_ Andei pensando. Viver é como pegar estrada. Cheia de buracos que nos fodem. Sem placas que indiquem o caminho. A vida é mal sinalizada. Fora às bifurcações. Será que pegamos a estrada certa? Não sabemos pra onde ir. Erramos o caminho. Voltamos.

_ “Pra quem está perdido, qualquer desvio é caminho”.

_ Desvio é desvio, seu animal. Daqui alguns anos você vai largar mão dos clichês.

_ Dos clichês, dos cabelos e dos dentes, pelo jeito. Fora as coisas materiais. Pelo visto, não vou ter porra nenhuma...

_ Posso continuar?

_ Tem mais?

_ Hoje em dia, só ando no acostamento. Pelo menos escapo de malucos que invadem a contramão.

_ É, fedorento, na vida e na estrada, as cagadas são fatais. “Viver é muito perigoso”.

_ Muito. Posso ter perdido a dignidade, mas não a razão.

_ Não fale assim, que até me emociono. Vem cá me dar um abraço. Vou deixar um trocado para você. Quer dizer, vou deixar um trocado para MIM, só que amanhã.


E, sorrateiramente, o fedorento me olha como quem diz “peguei mais um otário”. É. O mundo está cheio de filho da puta.


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Texto: Alexander Reis

Ilustrações: Pablo Leandro

13 comentários:

Anônimo disse...

É... Leque!
Adorei o texto... Poxa, amei a descrição da vida!

Meu cartunista mais lindo do mundo,
Ficou maravilhoso, estou orgulhosa de você! ... Que talento!!!
Mil beijos!!!

Anônimo disse...

...amor todos já sabem que você é minha namorada, então, não precisa exagerar, rsrsrsrs...
mesmo assim obrigado pelo comentário.

Anônimo disse...

creduuu amor, você que pediu... Por R$ 15,00, eu acho que não foi exagero...

Anônimo disse...

Mto bom! mesmo! temos que levar osujo para o cinema, sacou. abr!

Anônimo disse...

Eu num tinha visto o detalhe do desenho... hehehe fumo de rolo... parabenbs para o pablotb! alias, o desenho esta melhor q o texto... como faco para receber os quinzin...

Anônimo disse...

Fala bilú,
Parabéns,pelo texto muito bom...

q orgulho desse cartunista mora na minha rua...rsrs,desenho espetacular...







Mereço 20 hein..rsrs

Anônimo disse...

Garoto,
estou de cara, voce tem a manha. Fiquei impressionado mesmo.



Obs: Vou cobrar apenas uma monitoria pelo comentário positivo.
Abração

Anônimo disse...

ué, eu tinha pensado que o cara do desenho tava tocando gaita... maravilha!!!

Anônimo disse...

a partir de agora estou cortando o abono a quem fizer comentários a favor do desenho, bom final de semana pra moçada!

Anônimo disse...

Dei ótimas risadas com o "mendingo". Ótimo texto! Enviem-me sempre as atualizações!!! Pode ser por orkut.
Abraços

TIAGO SÂNZIO disse...

os minino que tão ficando bom viu! hehe
e nem cobro nada pra dizer!!

Anônimo disse...

Alexandre, gostei bastante, mto interessante. O caso da cachaça tb tá mto bacana. Vou acompanhar. PArabéns.

Anônimo disse...

ô rapaz, valeu mesmo, nada a ver errar meu nome, não. O final do (curioso) caso da cachaça de goiaba, texto do titular do blog, sai amanhã!